A REDUÇÃO DE EFCTIVOS DOS QUADROS PERMANENTES: MAIS UMA OPORTUNIDADE PERDIDA
PARA A CONCERTAÇÃO E A TRANSPARÊNCIA
1. No Conselho de Ministros (CM) do passado dia 30 de Julho, foi aprovado o diploma que, substituindo o Decreto-Lei nº 202/93, de 3 de Junho, vai fixar os efectivos dos Quadros Permanentes (QP) das Forças Armadas, na situação de activo.
2. A forma como, pelo Governo, foi apresentada à opinião pública a aprovação desses efectivos consubstanciou vários enganos.
3. Conceptualmente, mas utilizando linguagem comum, a sequência lógica que culminaria na fixação desses efectivos, a partir da Missão definida para as Forças Armadas, passaria na realidade, prioritariamente, pela definição da organização que suportasse o seu cumprimento, tendo em conta o Sistema de Forças (meios e pessoal) e dispositivo a isso indispensável.
4. No entanto, contrariamente ao que foi afirmado pelo Governo, conforme um Despacho da Lusa de 30 de Julho e, também, o comunicado da Presidência do CM da mesma data, os novos efectivos não foram fixados nessa lógica sequencial e muito menos são “decorrentes da aprovação da nova estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas”, uma vez que se deu precisamente o contrário. Isto é, decidiram-se primeiro os regulamentos orgânicos das unidades/órgãos e estruturas intermédias da organização e, só depois, com muitos avanços e recuos, no meio de inúmeras dificuldades, como foi público e notório, se conseguiu consolidar a estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas, que, por sinal, ainda se encontra sem regulamentação orgânica.
5. Mais: subjacente a essa nova organização, como se tornou evidente, esteve sempre presente um tecto orçamental, que originou, quase certamente, a regressão de níveis hierárquicos em determinado tipo de cargos, bem como a troca, é o termo, da obtenção de efectivos em alguns postos pela diminuição noutros, contrariando-se deste modo os princípios do modelo que devia ter sido respeitado em matéria com tanta delicadeza.
6. Sem que o Governo o tivesse evidenciado, por motivos óbvios, os efectivos aprovados permitem, entretanto, antever que se tende a minimizar, no futuro, alguns dos terríveis problemas que se verificam nos fluxos de carreira de alguns Quadros Especiais (QE) das várias categorias, o que pode saudar-se, mas é questionável, uma vez que a solução, à luz dos princípios, devia ter sido encontrada noutra sede.
7. O Governo preferiu anunciar que as medidas transitórias garantem que nenhum militar será prejudicado na progressão da sua carreira, o que não corresponde à verdade, uma vez que, infelizmente, elas não asseguram, por si só, que isso aconteça.
8. Façamos, entretanto, uma análise factual ao que sucedeu.
9. O então projecto tinha sido alvo da aprovação na generalidade em CM de 23 de Julho.
10. Pelo meio, a 27, a AOFA foi convocada para uma “reunião sobre” “efectivos militares QP”, conforme constava do “fax” que nos foi enviado, com o Director-Geral de Pessoal e do Recrutamento Militar do Ministério da Defesa Nacional (DGPRM/MDN).
11. Embora tendo encarado a reunião com enorme cepticismo, atendendo a experiências do mesmo tipo anteriormente vividas, mas para que não se dissesse que se furtava ao diálogo sobre matérias de enorme importância para os Oficiais das Forças Armadas, a AOFA fez-se representar pelos Presidente, Vice-Presidente, Secretário-Geral e Secretário.
12. Infelizmente, o cepticismo que antecedeu a reunião comprovou-se inteiramente.
13. Com efeito, cumprindo certamente instruções da tutela, o DGPRM/MDN não apresentou um único documento à apreciação da AOFA (enviando-lhe somente o quadro de efectivos, sem o fazer acompanhar sequer pelo texto do projecto de diploma, em 30 de Julho, precisamente o dia da aprovação definitiva em CM!), não explicitou números e, mais, perguntado sobre disposições transitórias e período de tempo destinados a permitir que se ultrapassasem os problemas já existentes nas carreiras, bem como os decorrentes dos novos efectivos a implementar, limitou-se a dar respostas vagas, sem a precisão que as questões colocadas requeriam.
14. Ainda por cima, como é habitual, foi mais uma vez ignorada a elaboração de acta para registo da reunião, conforme se vem requerendo e é sistematicamente dispensado pelo MDN, ao contrário do que acontece noutros Ministérios, como, por exemplo, o da Administração Interna.
15. A reunião não passou, na realidade, de uma apressada operação de faz-de-conta, destinada tão-somente a ultrapassar as exigências formais da Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto, que consagra as competências das Associações Profissionais de Militares (APM), o que não honrou o MDN.
16. Por outro lado, durante a reunião, o DGPRM/MDN, certamente ainda no cumprimento de instruções da tutela, deu a entender que os quantitativos eram uma decorrência da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas e das Leis Orgânicas dos Ramos, o que, como já se viu, não corresponde à realidade dos factos, pelo que no entender do MDN, o que foi e é contestado pela AOFA, não teria havido sequer necessidade das APM terem sido envolvidas no processo em apreço.
17. Partindo do princípio de que o que foi aprovado em CM assegura o cumprimento da missão das Forças Armadas, o que suscita algumas dúvidas face à sobrecarga de trabalho a que têm sido sujeitos inúmeros militares, mesmo no quadro legal actual, importa relembrar que, como todos sabem, e, melhor do que ninguém, os que têm as responsabilidades cimeiras no MDN, a questão dos efectivos, se decorre das Leis Orgânicas tem uma indiscutível componente socioprofissional:
· De que militares necessitam as Forças Armadas?
· De que categorias?
· De que Quadros Especiais (QE)?
· De que níveis hierárquicos?
· Com que carreiras?
· Com que formação?
· Com que especializações?
· Quantos?
· Com que remunerações e tendo que suplementos remuneratórios?
· Etc.
18. Para além disso, como já se disse, é público e notório que existem graves problemas de fluxos de carreira em vários QE, sendo ainda de prever a extinção de alguns desses quadros.
19. Ora, a construção ou revisão de um “edifício” com esta complexidade, implica uma visão integrada de todas as questões a ele associados, entre elas as várias vertentes das áreas socioprofissional e deontológica, uma e outra constituindo competências das APM, incluindo designadamente a reformulação das Carreiras e o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), sob pena de, a curto prazo, poderem sobrevir dificuldades que ponham em causa o próprio cumprimento da missão.
20. E se estas razões não fossem suficientes, basta analisar os efectivos por postos para cada Ramo, constantes no diploma aprovado, e compará-los com aqueles a que tinha chegado o Grupo de Trabalho (GT) das Carreiras, para se perceber que, mesmo posteriormente à apresentação do Relatório que este elaborou, houve a preocupação de neles fazer reflectir alguns pequenos acertos, pelos vistos necessários ao reequilibrar de certas carreiras ou expectativas.
21. Mas, mais do que isso, as próprias conclusões a que chegou o GT/Carreiras parecem constituir, como já se adiantou, nalguns casos, quase certamente, à custa de uma certa descaracterização funcional, antes de mais soluções para problemas de algumas carreiras ou para o amortecimento dos choques que irão acontecer noutras. Será que isto decorre das Leis Orgânicas ou, pelo contrário, inverteu-se o sentido correcto sem que se recorresse a uma adequada análise funcional que fundamentasse solidamente tais decisões?
22. Esse facto torna-se particularmente saliente nos Ramos Marinha e Força Aérea (FA), com especial relevo para o que sucede nos postos cimeiros da categoria de sargentos, cujos efectivos se vêem apreciavelmente aumentados em relação aos constantes no Decreto-Lei nº 202/93.
23. No que aos Oficiais diz respeito, nos mesmos Ramos, é patente o acréscimo de níveis intermédios de chefia, o que parece indiciar a necessidade de minimizar problemas existentes e amortecer a frustração dos Oficiais dos Quadros Técnicos (QT) deixarem de ter acesso, como parece ir suceder, ao posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra (CMG) / Coronel (COR).
24. De qualquer forma, continuam sem resposta inúmeras dúvidas associadas ao desenvolvimento desigual das carreiras de vários QE, e, no caso particular da FA, o saber-se como se vai proceder ao agrupamento de especialidades que, tudo o indica, irá processar-se, precisamente devido àquela razão.
25. A situação que se verifica no Ramo Exército merece, infelizmente, um destaque especial.
26. Na realidade, não se sabendo também muito bem qual vai ser o futuro dos QT existentes, o que acontece com os Oficiais licenciados com origem na Academia Militar (AM) é extremamente preocupante.
27. Como se não bastassem as enormes dificuldades com que já se defrontam na promoção a COR, as reduções operadas nos efectivos deste posto e do de Tenente-Coronel (TCOR), com o diploma aprovado no CM em 30 de Julho, não auguram nada de bom.
28. Consta que haverá uma medida, bem como um calendário de transição, para fazer face a esse problema.
29. No entanto, quer a medida quer o calendário que têm sido informalmente veiculados são de uma exiguidade tal que se afigura irrealista pensar-se na sua suficiência, apenas servindo para diferir a solução do problema para os governos futuros.
30. Na realidade, que confiança podem ter estes Oficiais no que os espera se o calendário de transição previsto no diploma aprovado em CM vê terminar os seus efeitos, segundo parece, em 2014, enquanto que, aquando da reorganização que o Exército vinha operando, se estimava o ano de 2023 como desejável para concluir o processo?
31. A AOFA deu a conhecer, oportunamente, ao MDN e às Chefias dos Ramos das Forças Armadas, propostas e hipóteses de solução para a devida e necessária ponderação, mas tem-lhe sido vedado participar de corpo inteiro no processo de formação da decisão, como a Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto, consagra, enriquecendo-o com os seus contributos.
32. As transformações operadas em 1990, obrigaram o Governo de então a publicar a Lei nº 15/92, de 5 de Agosto, que, apesar de conter falhas graves que se repercutiram na evolução das carreiras dos que permaneceram ao serviço, contribuiu para a saída da situação de activo de mais de três mil efectivos dos QP.
33. Que vai este Governo fazer? Assim, fica a impressão de que o Governo, para evitar criar legislação especial para os militares, como aconteceu em 1992 e é normal nos países europeus, optou por aproveitar a publicação das novas Leis Orgânicas para tentar ultrapassar problemas de carreiras, sem assumir os respectivos custos, introduzindo, para o conseguir, como tudo leva a crer, profundas alterações a conteúdos funcionais e à associação de postos a cargos, uns e outra de há muito consolidados nas Forças Armadas.
34. Face à ausência de respostas, embora reconheça que a revisão do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), que o MDN, desrespeitando a Lei, tem impedido que acompanhe, pode ainda vir a conter disposições transitórias que ajudem a resolver muitas das questões que coloca, a AOFA sente a obrigação democrática de levar ao conhecimento da opinião pública as suas enorme preocupações.
35. E lamenta profundamente que assim tenha que proceder, mas o secretismo em que decorreu toda esta matéria, para além de não prenunciar nada de bom, potencia dúvidas, desconfianças e um indisfarçável mal-estar, o que, por muito que se diga o contrário, causa sempre fissuras na coesão.
36. E lamenta-o tanto mais quanto a AOFA sempre deu provas de estar aberta à racionalização e à mudança, tendo, entretanto, como preocupação, em simultâneo, a salvaguarda dos legítimos direitos e expectativas dos Oficiais das Forças Armadas.
37. Mais uma vez, o MDN perdeu, ainda por cima ao arrepio da Lei, uma óptima ocasião para conduzir um processo com transparência e em clima de concertação, o que seria, como todos concordarão, de todo o interesse para as Forças Armadas.
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