domingo, 16 de agosto de 2009

CITANDO UM SPORTINGUISTA

Quatro anos de pancada nos responsáveis do Sporting, incluindo Soares Franco e Paulo Bento, deixaram-me com medo de morder a própria língua. De maneira que foi de coração aberto que rumei na semana passada a Alvalade, para assistir ao Sporting-Twente. Sim: eu sabia que o miserabilismo das épocas anteriores se mantivera durante a elaboração do plantel para a nova temporada. Sim: eu já percebera que isso de José Eduardo Bettencourt ter começado a apelar à emoção representava apenas uma mudança de discurso, não de políticas. Sim: eu não tinha qualquer ilusão quanto à possibilidade de um grupo de jogadores que há dois ou três anos se vinha mostrando desprovido de génio e de força ter, entretanto, engolido a poção mágica de Astérix. Mas esperava, pelo menos, alguma ambição. Alguma vontade, algum empenho – algum, vá lá, do sonho cultivado pelos sócios que se deixaram encantar com a nova linguagem oficial. E não o encontrei.
Não o encontrei nem vou encontrá-lo. Escrevo antes de concluída a pré-eliminatória da Liga dos Campeões, mas sei que nem uma vitória esmagadora na Holanda mudaria o que quer que fosse. Eu li os jornais do defeso e vi os jogos da pré-época. Mais do que isso: eu tenho muitos defesos e muitas pré-épocas acumulados na memória. E sei duas coisas. A primeira é que o Sporting não tem jogadores: não tem um lateral que seja, precisa de pelo menos um central de categoria, não pode dispensar uma solução suplementar para cada uma das alas – e, de resto, quanto ao ataque, ainda vamos a ver o que vale Caicedo. A segunda, e muito mais importante, é que o Sporting não tem desejo. Tanto colectiva como individualmente, virou uma coisa penosa: um monte de gente a quem disseram que era preciso meter um golo, mas que não chega sequer a perceber porque é que isso de meter um golo é tão importante. Quem olha a partir daqui, início de Agosto, são mais nove meses iguaizinhos aos últimos anos: frustração atrás de frustração, um ou outro brilharete para disfarçar, mais frustração atrás de frustração. E, tanto quanto posso prever, ainda bem que Jorge Jesus já não está no Sp. Braga, que assim sempre temos a corrida ao terceiro lugar menos dificultada.
Obama pode anunciar o fim da crise quantas vezes quiser: a crise do Sporting, aquela que é sua e de mais ninguém, continuará. Porque não é económica, é estética. O Sporting que esta dinastia inventou apaixonou-se pela imagem do aristocrata falido. Acha-a charmosa, até elegante, seguramente superior. E cultiva-a. Não contrata jogadores nem se mistura com quem os contrate. Se pudesse, inventava mesmo um campeonato só para si: um campeonato em que seria sempre campeão e último classificado ao mesmo tempo – um campeonato, aliás, em que não haveria campeão nem último classificado, apenas um grupo de garbosos rapazes que dão sempre o seu melhor, mas que, de qualquer maneira, um dia destes vão ter de acabar com a brincadeira, pois há muitos negócios para gerir. Sim: José Roquette e Dias da Cunha e Filipe Soares Franco e José Eduardo Bettencourt e a maioria dos senadores que os acompanharam ao longo destes quinze anos não fizeram outra coisa senão transformar o Sporting naquilo que ele havia conseguido evitar ser durante décadas: um clube de queques. Um country club orgulhoso do seu ténis e do seu golfe e do seu bridge, mas persistentemente derrotado ao ténis, ao bridge e ao golfe por esses clubes arrivistas que nunca perceberam o que significam o ténis, o bridge e o golfe e se põem, tontos, a cultivar o mérito, essa estúpida mundanidade.
No meio, está Paulo Bento. Contente, talvez até orgulhoso, o que é o mais triste de tudo. No country club onde trabalha, não passa do professor de ténis – e ao professor de ténis de um country club, já se sabe, não resta outro destino senão ser desejado pelas senhoras e, no fim, exemplarmente castigado pelos homens. Cá em baixo, entretanto, espera-o a massa informe. Os sócios. A princípio, haviam-no visto como uma esperança: um de entre eles que, a certa altura, é chamado ao convívio do Olimpo. Mas foi ele o rosto da derrota e do desespero – e o seu corpo há-de ser arrastado pela vila, a reboque de uma carroça. E, então, os senadores voltarão a receber a aclamação do povo, que no fundo nunca perdeu a disponibilidade para dar a vida por ele. Na verdade, isto não é um sistema novo: funciona há milhares de anos em muitos lugares do mundo. E, embora ele quase nunca tenha trazido mais do que a fome e o ranger de dentes, sabe deus como à metade de cima desse sistema nunca faltou pão na mesa.

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