sexta-feira, 22 de maio de 2009

CITANDO BÁRBARA WRONG

"O essencial de Bolonha está longíssimo de ser cumprido"

António Nóvoa desiludido com a forma como
o Governo tem tratado o sector.
Nas universidades está a resposta para a crise, diz o investigador

O professor e investigador António Nóvoa foi reeleito reitor da Universidade de Lisboa (UL) já pelas regras do novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). A lei tem pouco mais de um ano, mas o reitor considera-a ultrapassada. Nóvoa confessa estar desiludido com o primeiro-ministro porque não cumpriu as promessas feitas. É preciso investir mais na universidade porque é ela que vai ajudar a encontrar as respostas para ultrapassar a crise, defende.
Foi eleito com base no RJIES. Por que é que diz que está ultrapassado?
O RJIES é o fechar de um ciclo em que se endeusava a lógica do mercado, da gestão empresarial e parecia que não havia outra maneira de organizar as instituições. Nos últimos seis meses, o mundo avançou de uma maneira tão brutal que muitos destes modelos se tornaram caducos. Temos que inventar outros modelos de funcionamento para as instituições.
Como serão esses modelos?
Há um aspecto central que se traduz na necessidade de encontrar modelos de maior participação da comunidade académica. A ideia de que os estudantes são clientes é absurda, estes são membros da comunidade académica e devem participar da vida da universidade. Quando a ideia do RJIES foi apresentada, lembro-me de uma frase de Vital Moreira que chamou ao reitor um CEO [presidente executivo]. Eu não sou CEO, mas reitor. Em vez da participação democrática, o modelo abre a porta a oportunismos e isto não é bom. O governo da universidade hoje é mais complicado do que era no passado.
A crise económica veio evidenciar os problemas do financiamento às instituições?
Hoje, finalmente, a sociedade portuguesa percebeu que houve um desinvestimento brutal nos últimos anos. Quando foi aprovada a Declaração de Praga, Durão Barroso disse que seria um erro, neste momento de crise, não investir nas universidades, porque são elas que podem ajudar as sociedades a sair da crise. Esta ideia, infelizmente, não chegou a Portugal. Há um problema de critérios porque o financiamento é pouco transparente.
Porque não se tem cumprido a fórmula de financiamento?
Não há fórmula, é uma falácia. No momento em que o Governo fixa um plafond e diz "agora ponham-se uns contra os outros, a ver quem consegue a maior fatia do bolo", não há fórmula. Há o sentimento de que estamos a competir pelo mesmo, o que contribui para uma relação difícil entre as universidades.
O primeiro-ministro fez promessas às instituições de que 2009 seria um ano de mais investimento. Estamos em Maio, mudou alguma coisa?
Há uma desilusão grande pela maneira como as coisas foram ditas e não foram cumpridas. Em Janeiro de 2008 foi-nos dito que toda a folga orçamental seria canalizada para o ensino superior, em Julho foi-nos dito que infelizmente a folga era mínima, mas a prioridade do ensino superior se mantinha. Tudo isto eu consegui perceber e aceitar. O que é incompreensível é que no momento em que se deram incentivos à economia não tenha havido um único cêntimo para os edifícios que estão a cair de podres.
Como vê o facto de os alunos terminarem os cursos e não encontrarem trabalho?
O debate da empregabilidade deve ser visto por um lado, no sentido de um país com níveis de qualificação extraordinariamente baixos - por isso nos causa incómodo que uma pessoa licenciada não tenha um emprego à altura. Sabemos que, no futuro, metade dos empregos disponíveis vão exigir ensino superior. Temos que tentar passar este discurso para a sociedade.
A UL já concluiu a transição para Bolonha?
O essencial de Bolonha está longíssimo de ser cumprido em Portugal. É evidente que houve uma operação de cosmética. Quando se publica a lei, em 2006, e as instituições tiveram 12 horas para entregar os cursos adequados, deu--se o sinal que não era para ser a sério. Bolonha foi feita num período em que não havia liderança nas universidades e, durante quatro anos, quando mais precisávamos de avaliação, esta não existiu. Quatro anos sem avaliação é um acto de irresponsabilidade. Não houve tempo para formação, para avaliação. Vai tudo pagar-se caro.
É uma oportunidade perdida?
Há sempre novas oportunidades mas, depois de Bolonha a brincar, vamos ter que fazer Bolonha a sério. Essa tem três matrizes: a mais positiva, que é a abertura e mobilidade; a segunda, a "mudança de paradigma", em que estar na universidade é estar de outra maneira que implica laboratórios, bibliotecas, estudo autónomo. É insensato aplicar Bolonha num momento de cortes financeiros e isso não deu bons resultados. O terceiro ponto é o da empregabilidade. É muito difícil que no final do 1.º ciclo se dê boa formação de base e se dê um diploma profissional.

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