PENSAMENTOS ABERTOS E LIVRES - 97 (CITANDO ANGELA SILVA)

"Greve geral. O Governo enganou-se na reforma" artigo/newsletter de Ângela Silva no Expresso (que sabemos ser simpatizante, no mínimo, do PSD) mas que aqui consegue escrever um artigo impressionante no qual a sua identidade de jornalista se sobrepõe às suas simpatias políticas "Caro Leitor Quando comecei a trabalhar em jornais estava muito longe de suspeitar da disfuncionalidade laboral que me esperava. Ser mulher, ser mãe, não saber viver sem família, adorar o que fazia, exigir ter vida para além do trabalho e desconhecer a palavra burnout, que ainda não estava na moda, foi um desafio fascinante. Acontecia passar 12, 14 ou mesmo 16 horas sem ir a casa, sem ganhar mais por isso, sem pensar em alíneas de contratos coletivos de trabalho, e também era banal trabalhar fins de semana, fazer piquetes e andar semanas na estrada, sem ouvir falar de bancos de horas ou de conciliação entre vida laboral e familiar. Para quem vivia assim, as discussões sobre 35 horas de trabalho semanal eram uma abstração, mas quem vivia assim era privilegiado: ganhava para pagar empregada e babysitter. E as greves sindicais contra os pacotes laborais eram matéria para notícias. Ser jornalista hoje é outra coisa, mas o pano de fundo dos pacotes laborais e das greves gerais não mudou muito. Quem tem folga profissional e financeira, adora flexibilidade laboral e desdenha espartilhos coletivos. Quem tem salários medianos ou penosos não vive sem segurança máxima. E basta ver o que aí está para perceber porque é que Maria do Rosário Palma Ramalho não percebeu nada do que a esperava. Nos 50 anos do 25 de Abril (ou do 25 de Novembro, como preferir), a classe média portuguesa tem salários 30% mais baixos do que a média dos países da União Europeia. Alugar uma casa decente leva um salário médio. A produtividade nacional não sai da cepa torta – repetimos os 30% abaixo da UE –, mas os salários ainda conseguem crescer menos do que a produtividade e já ninguém acredita que no admirável mundo novo a salvação do nosso PIB per capita esteja na lei laboral, quanto mais nas horas das Nos 50 anos do 25 de Abril (ou do 25 de Novembro, como preferir), a classe média portuguesa tem salários 30% mais baixos do que a média dos países da União Europeia. Alugar uma casa decente leva um salário médio. A produtividade nacional não sai da cepa torta – repetimos os 30% abaixo da UE –, mas os salários ainda conseguem crescer menos do que a produtividade e já ninguém acredita que no admirável mundo novo a salvação do nosso PIB per capita esteja na lei laboral, quanto mais nas horas das mulheres para amamentação. Foi precisamente por aí que a ministra do Trabalho, técnica reputada com pouquíssimas horas de traquejo político, começou a experiência: abanar o mundo do trabalho para aditivar o crescimento económico. Más notícias. Muito mal pagos, zangados com o custo de vida, cansados dos percalços na saúde, dos maus transportes públicos, das listas de espera para infantários, sem dinheiro para ATL, à toa com o mundo em mudança e sem vislumbrar oportunidades, os que hoje engrossam uma classe média cada vez mais mediana não querem ouvir isto. Argumenta o Governo que é quando o emprego está em alta e cheira a paz social que se pode entrar a matar. Mas seria assim se os indicadores económicos pagassem contas, coisa que a CGTP dirá sempre ser mentira, mas que, desta vez, nem a UGT achou ser maneira de começar uma conversa. Com o mundo em absoluta disrupção tecnológica, a insegurança de quem trabalha já é o que é – um susto. Somar-lhe o desajeitado avanço da ministra Palma Ramalho, em registo punitivo e sem um vislumbre de oportunidade, estímulo ou salto em frente, é um erro político. Foi cómico ver o ministro da Reforma do Estado aos saltos no palco da Web Summit Lisboa (que Paddy Cosgrave se prepara para trocar por Pequim), onde foi anunciar que Portugal tem todas as condições para ser líder mundial na IA. Foi o momento “vacas que voam” do Governo AD e não seria justo deixar António Costa com o exclusivo “sonhar de borla”. Mas o que vimos há dias foi um hospital da grande Lisboa (Amadora) que não consegue partilhar informação com os centros de saúde vizinhos (Cacém). O que vimos há dois anos foi um Governo cair agarrado a um data center (Sines), que esbarrou em quê? Dificuldade em aprovar projetos. E o que vemos todos os dias é um país preso à burocracia, com deficiente capacidade de execução e esmagado por impostos. Talvez Gonçalo Matias tenha que se preocupar mais em reduzir rapidamente a carga burocrática que paralisa o país. Talvez a ministra da Justiça tenha que se preocupar mais em rever a morosidade da justiça administrativa e fiscal que paralisa empresas. Talvez Luis Montenegro tenha que se preocupar menos com o Chega e a sua agenda punitiva e ouvir mais a IL para começar a reduzir impostos à séria. E talvez Miranda Sarmento tenha que lembrar ao coletivo que menos impostos só com menos despesa e menos despesa só abanando o Estado. O Estado não dá o exemplo. Não repensa nem liberta funções. Está viciado em despesa. O IRS baixa, mas nunca voltámos aos níveis pré-troika e continuamos esmagados pelo fisco. É o IVA, é o IUC, é o IMI, é o IRC, são os impostos indiretos. O Governo acerta na urgência de melhorarmos o nosso medíocre desempenho de produtividade, mas está a apresentar a fatura do costume aos do costume. Luís Montenegro tem tido uma pesada agenda internacional e não tem um número dois óbvio na coordenação do Governo, mas como gosta de se aconselhar com Cavaco Silva não era má ideia ouvi-lo. Cavaco nunca deixava que a programação dos seus governos fosse condicionada pela iniciativa e determinação maior ou menor dos seus ministros – pelo contrário, era sempre ele a definir quem em cada momento devia avançar ou travar. Uma programação fina desta AD aconselharia Gonçalo Matias a roubar a dianteira à colega do Trabalho, numa articulação que está a falhar. A Web Summit prepara-se para se despedir de Portugal e rumar à China. Oxalá não percamos muito tempo com as licenças parentais."

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