HISTÓRIA 428
Problemas na pista de Bissalanca onde pernoitamos juntamente com o pelotão dos Strella que na altura tomava conta da Base. Descolámos às 4 da manhã por causa da FIT. Mas a meio da corrida de descolagem as luzes da pista apagaram-se. Valeram umas bailarinas lá no fundo para ajudar no borrego!…
Arranjaram as luzes e lá descolámos outra vez. Apanhamos a FIT logo à saída mas como era escuro lá nos fomos afastando dos CBs. Mas 200milhas a sul do Cabo Palmas apareceu uma Linha de Borrasca ( Squal Line) paralela à margem norte do Golfo que deu trabalho a passar. Desde os 5000 pés até umas bicadas acima até aos 13000 pés percorremos os níveis todos ao ponto de eu já nem ter confiança no traçado ar!… Sempre a desviar para a esquerda até que eu disse ao Almeida e Costa que ou íamos para S. Tomé ou para os gajos que pelos vistos nem vaselina tinham!…
Lá atravessamos! A meia hora mais complicada da minha existência!
O avião parecia uma pena. E o Esteves só gritava “Asas Direitas”
O Almeida e Costa e o Pessanha conseguiram passar aquilo!…
O Sestante estava na caixa de baquelite amarrado ao chão mas no final não me serviu de nada. Degolou as rodas dentadas do mecanismo de medias e o stress e a falta de experiência não deu para lembrar que se podia fazer um chuto direto como os marinheiros. Mas lá chegámos a S Tomé com um ETA muito degradado. Demoramos mais quase duas horas que o previsto no Plano de Voo. Mas até ao Cabo Palmas já tínhamos mais uma hora com vento forte de frente que os nossos amigos da Guiné tinham previsto de 10 nós!…
Foram duas horas a andar a fugir do tempo. E sabia que ia chegar muito atrasado mas não tanto!…A duração do voo de acordo com o plano de voo eram 10:40. O meu ETA já contemplava uma duração de 12:10. O resto só consegui controlar quando me deixaram ver que já tínhamos sinal de VOR. Um luxo no Nord. Mas quem conheceu o Esteves e o Pessanha além do Almeida e Costa que era o CB sabem que eram uns praxadores. E quando viram o maçarico n merda resolveram desligar o VOR e começar a perguntar pelo ETA. Muito mal me senti naquela situação. Resta dizer que eu estava em instrução. O Navegador instrutor era o Manuel Pinheiro. Quando viu a situação em que estávamos metidos virou-se para mim e disse. Você é Navegador de P2V-5 tome conta do estojo!… foi para o compartimento de carga e só voltou a aparecer em S. Tomé.
Ainda antes de jantar, contactei o capitão Furtado e confirmei que a Força Aérea Portuguesa iria iniciar, no dia seguinte, a requerida missão de Busca e Salvamento.
Por experiência própria, sabia que, em São Tomé, cumprir o planeamento de uma descolagem, ao nascer do sol, era uma aposta de contornos imprevisíveis. O laxismo abundava e não havia uma relação muito amigável com a assiduidade e a pontualidade.
Antecipando a probabilidade de enfrentar problemas dessa ordem, solicitei ao senhor capitão são-tomense que, investido da sua autoridade militar, garantisse que, um hora antes da descolagem, teríamos a presença do controlador, do meteorologista, dos bombeiros e do militar que assegurava o acesso às instalações da Força Aérea – esse local era conhecido pelo nome de “secção” -, através de um portão de rede. Solicitei, ainda, a presença de um representante da empresa proprietária do navio, nas instalações do aeroporto, enquanto decorresse a missão.
Deixar a aeronave abastecida, de véspera, não era opção, dado que os furtos de combustível aconteciam, amiúde, durante a noite. Como consequência dessa limitação, era a tripulação que garantia o transporte do responsável pelo abastecimento da aeronaves. Esse procedimento de transporte do “gasolineiro” era uma aventura merecedora de um post à parte. Na verdade, a viagem entre o destacamento e aeroporto demorava, àquela hora da madrugada, cerca de 10 minutos. Por via da necessidade de ir resgatar o gasolineiro, aos confins de Micoló, tinha de sair do destacamento, cerca de 3 horas antes da hora estimada da descolagem. Todo o processo era épico.
Partilhei com os pilotos destacados o meu plano de intenções que, de uma forma resumida, era constituído pela execução de quatro circuitos do tipo “creeping line”, começando pelo sector leste da ilha e, por ordem da alegada probabilidade de êxito, prosseguiríamos para o sector sul, seguida do sector norte e, finalmente, o sector oeste da ilha de São Tomé. Para executar os 4 circuitos, calculei um tempo de voo aproximado 12 horas, com as respetivas interrupções para reabastecimento.
Quando cheguei ao portão de acesso à “secção”, com o gasolineiro a bordo, verifiquei que a outra viatura do destacamento já lá estava e não se vislumbrava vivalma. O relógio apontava para as 04H15.
Decidi buzinar três vezes, não tendo obtido qualquer resposta.
- Chefe, parece que chegamos cedo, não? – zombou o gasolineiro.
- Parece que sim, Tinha dado tempo para o camarada ter bebido mais um copinho de vinho de palma – respondi com a mesma dose de ironia.
- Eu não uso copos, chefe! Eu bebo pela garrafa – ripostou, sorrateiramente.
Como o militar que deveria estar à nossa espera, para abrir o portão, não dava sinal de vida, apostei numa buzinadela longa. O som estridente da buzina deve ter acordado metade da ilha e, pensava eu, também o militar de guarda ao portão.
Na penumbra da noite, lá percebi a aproximação de um vulto, caminhando lentamente, com uma postura meia trôpega, um barrete daqueles que tapa as orelhas e um sobretudo que mais parecia um toldo de praia, não pela vivacidade das cores, mas pela generosidade do tamanho.
Com o soldado segurando o portão, entrei, parei defronte do dito e perguntei-lhe se havia algum problema com a sua audição.
- Não, chefe, não tem problema. O que tem é uma diarreia que me obriga a correr para o WC, de 5 em 5 minutos – respondeu o sobretudo com um bocadinho de pessoa nele.
- Isso é que é um verdadeiro problema de caca – interveio, em voz baixa, o gasolineiro que ia desfilando um sorriso sarcástico.
Enquanto o mecânico de voo caminhava para a aeronave, assegurando a normalidade do abastecimento da aeronave, o co-piloto deslocou-se à torre de controlo para certificar-se de que o plano de voo, submetido no dia anterior, estava em vigor e ia aproveitar a proximidade dos serviços para deslocar-se à meteorologia e tentar obter alguma informação atualizada.
Passado pouco tempo, o co-piloto informou-nos que, no edifício da torre do controlo, não havia ninguém, como não havia, também, na secção de meteorologia e que dos bombeiros nem o mais leve indício.
- Ainda bem que eu pedi ao capitão Furtado que assegurasse a presença dessa gente – reagi.
Depois de concluído o abastecimento, ocupámos as nossas posições, dentro da aeronave, os pilotos ligaram os rádios e ficámos à espera que alguma coisa acontecesse.
Por volta das 5 horas, vimos chegar 2 elementos dos bombeiros. Volvidos alguns minutos, muito próximo das 05H15, o controlador estabeleceu contacto com a tripulação. Confirmámos que o nosso plano de voo estava em vigor e, face à resposta afirmativa do controlador, pedimos para pôr em marcha.
Eram, praticamente, 06H00, quando iniciámos a rolagem, visando o alinhamento na pista e subsequente descolagem.
O dia que acabara de nascer estava esplêndido, o vento calmo, a visibilidade estava brutal e tudo indicava que seria uma missão tranquila.
(Atendendo ao cansaço que a leitura pode suscitar, será benéfico um pequeno intervalo. Fica prometido, para a próxima publicação, o relato circunstanciado da parte de voo da missão. A história não inclui Strelas nem armas apontadas aos tripulantes, mas irá revelar que “até ao lavar dos cestos é vindima”.)
Eram, praticamente, 06H00, quando iniciámos a rolagem, visando o alinhamento na pista e subsequente descolagem.
O dia que acabara de nascer estava esplêndido, o vento calmo, a visibilidade estava brutal e tudo indicava que seria uma missão tranquila.
(Atendendo ao cansaço que a leitura pode suscitar, será benéfico um pequeno intervalo. Fica prometido, para a próxima publicação, o relato circunstanciado da parte de voo da missão. A história não inclui Strelas nem armas apontadas aos tripulantes, mas irá revelar que “até ao lavar dos cestos é vindima”.)
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