sĂĄbado, 14 de junho de 2025
CITANDO MANUEL MURALHAS
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Venho por esta carta, escrita com mãos calejadas mas cabeça bem erguida, responder, com humildade e pesar, ao seu discurso proferido ontem, Dia de Portugal, de CamÔes e das Comunidades Portuguesas.
FĂȘ-lo com pompa, com palavras estudadas, com recurso ao verbo polido das grandes cidades e aos corredores onde reina o eco dos salĂ”es luxuosos da Capital do ImpĂ©rio.
Mas permita-me dizer: fĂȘ-lo descompassada da alma do povo que vive nos montes, nas planĂcies, nas vilas e nas aldeias que nĂŁo tĂȘm comboio, nem mĂ©dico, nem esperança.
A Senhora diz que Portugal nasceu com CamÔes. Não, minha senhora. Portugal nasceu em 24 de Junho de 1128, à ponta de uma espada afiada, num campo de batalha em S. Mamede, ali mesmo às portas de Guimarães, com Afonso Henriques a dizer à própria mãe que este chão era dele e de todos os que viriam a lavrå-lo e a respeitå-lo.
Portugal nĂŁo nasceu da pena, desculpe que lhe diga, nasceu do sacrifĂcio, da terra cavada, das mĂŁos sujas de pĂł e do suor que se mistura Ă pedra para erguer muralhas.
Vivi 84 anos. Vivi-os sempre com muita honra, respeitando quem chegava à minha aldeia, fossem espanhóis, moçambicanos, chineses ou alemães.
Nunca me coube no peito o veneno do ódio, nem nunca vi tal praga entre os meus vizinhos. O que nos revolta, minha Senhora, não são os homens, nem os seus credos, nem as suas cores. à a injustiça. à a falta de respeito por tudo o que este povo construiu com sangue, suor e lågrimas.
Sei que mora em Alvalade, no coração de uma das cidades mais luxuosas da Europa, mas diga-me, onde estava Vossa ExcelĂȘncia, permita-me perguntar-lhe, quando fecharam os milhares de escolas das nossas aldeias e os miĂșdos passaram a andar carradas de quilĂłmetros a pĂ© para aprender a ler?
Onde estava Vossa Alteza Real quando milhares de centros de saĂșde e dezenas de hospitais foram encerrados e nos deixaram uma carrinha velha a dizer que era “unidade mĂłvel”?
Onde estava Vossa ExcelĂȘncia quando o meu netinho, e outros milhares de netinhos, precisou de uma ambulĂąncia do INEM, para episĂłdios de convulsĂ”es gravĂssimas, e nunca apareciam, chegando ao Hospital, lĂĄ longe a trinta quilĂłmetros, e lĂĄ estavam as viaturas do INEM ali paradas?
Onde estava a Doutora quando os meus filhos emigraram para o Luxemburgo porque aqui o ordenado nĂŁo chegava para metade do pĂŁo?
Fala a Senhora com grande emoção sobre escravidão. Tem razão. Foi crime hediondo e deve ser lembrado, sempre, para que jamais volte a acontecer!
Mas nós também temos direito à memória.
Fui expulso de Ăfrica depois de 30 anos a abrir estradas, a construir hospitais, pontes e escolas. Vim com a roupa do corpo e a dignidade nos ossos.
Nenhum governo me agradeceu. Nunca! Tudo que ali conquistei, com o meu suor, ali ficou. Mas vim sereno, sem raiva, e com um filho maravilhoso, sim negro, que me deu netinhos maravilhosos, que amo com todo o meu ser.
E agora, num dos dias mais sagrados da nossa PĂĄtria, ouço dizer que devemos pedir desculpa por sermos quem somos? Que somos filhos de opressores? Que somos malignos por gostarmos do que construĂmos ao longo de sĂ©culos? NĂŁo somos. Somos filhos da fome, da dignidade, da luta e da perseverança.
A Senhora afirma que a imigração descontrolada Ă© fruto de um novo ciclo. Talvez! Mas, depois de nos Ășltimos quarenta anos a ASAE ter fechado milhares de restaurantes porque nĂŁo cumpriam as mĂnimas regras da higiene, o que vemos nessas grandes cidades Ă© restaurantes improvisados sem higiene, com ratos, baratas e coco onde se confecciona a comida, regras a serem violadas sem quaisquer fiscalização, leis que sempre se aplicaram ao portuguĂȘs pobre e agora sĂŁo ignoradas para agradar aos senhores da “diversidade”.
Hå trinta anos, fecharam-nos a produção artesanal do nosso Queijo da Serra. Hoje vendem carne podre ao lado dos Jerónimos. Isto não é progresso, Senhora. à abandono.
As leis do trabalho, que este paĂs desenvolveu ao longo dos Ășltimos cinquenta anos, e muito bem, para que todos tenham uma vida digna, sĂŁo hoje completamente ignoradas ao abrigo da diversidade e dos braços abertos para todos.
Isto sim, Ă© escravidĂŁo!
Milhares de pobres coitados amontoados em espaços minĂșsculos, milhares de escravos que chegam para trabalharem por uma cĂŽdea, sem qualquer controlo, tudo para que, meia dĂșzia de iluminados, como Vossa Alteza possa ler textos lindos a dizer que todos podem entrar!
E se o povo portuguĂȘs Ă© hoje tolerante ao ponto de a ouvir de pĂ©, no Dia de Portugal, cuspir no orgulho nacional e comparar CamĂ”es a um corpo sem lençol ao lado dos cadĂĄveres da escravatura, Ă© porque este povo nunca foi racista, nem xenĂłfobo, nem intolerante.
Ă porque este povo, minha Senhora, tem um coração maior do que o paĂs que lhe deram. Mas cuidado: o coração tambĂ©m cansa. Cansa de ser sempre acusado, sempre explorado, sempre traĂdo.
A Senhora fala de Lagos. De Sagres. De escravos. De remorsos. Eu falo de orgulho. De honra. De gente que reza antes de comer, que ajuda o vizinho a meio da noite, que espera cinco horas nas urgĂȘncias sem bufar porque sabe o que Ă© sacrifĂcio. Falo de um povo que construiu escolas, igrejas, hospitais, barragens e autoestradas para os outros andarem.
No dia 10 de Junho, esperava ouvir palavras que nos unissem, enaltecessem e empolgassem.
Palavras sobre os nossos emigrantes que mandam dinheiro e saudade. Sobre CamÔes, sim, mas também sobre os milhares de idosos que vivem com 300 euros e que mesmo assim oferecem vinho aos que os visitam. Sobre os que morrem sozinhos em aldeias abandonadas e ainda assim votam, pagam os seus impostos e rezam pela Påtria.
Se Portugal ainda existe, Ă© porque estas pessoas, que a Senhora ignorou, continuam cĂĄ. Com a espinha direita. Com o orgulho de serem portugueses.
Perdoe-me a franqueza mas alguém tem de a ter para lhe dizer que não vale tudo. Para lhe dizer que até pode valer tudo, se for dentro da lei e dos limites que definem a cultura de um povo.
Perdoe-me a franqueza mas nĂŁo consego ficar calado.
A minha idade jĂĄ me permite estes gestos obscenos de falar para alguĂ©m com a dimensĂŁo intelectual de Vossa ExcelĂȘncia!
Uma Senhora, qual Alteza Real, que ontem, no Dia de Portugal, nos fez sentir a todos um farrapo velho, dizendo-nos que na sua opiniĂŁo somos um povo que deveria ter vergonha de si mesmo, um povo que nĂŁo estĂĄ Ă altura das gentes que vivem lĂĄ para os lados de Alvalade, como Vossa ExcelĂȘncia, ou para os lados de BelĂ©m, como o seu comparsa de palco, em Dia de CamĂ”es.
Perdoe-me a franqueza mas tive a felicidade de nascer portuguĂȘs e, acredite, vou morrer portuguĂȘs, esse povo que Vossa ExcelĂȘncia ontem, no Dia de Portugal, tentou diminuir a um pedaço de gente pobre, inculta e mĂĄ. NĂŁo somos. Somos ricos pela nossa histĂłria. Somos cultos pelas nossas tradiçÔes. Somos bons por sabermos receber de braços abertos o mundo inteiro. E somos humildes para ouvir alguĂ©m destilar Ăłdio disfarçado de discurso progressista e nĂŁo ficarmos com rancor.
Sim, vou morrer portuguĂȘs, nĂŁo pela cor da minha pele, nĂŁo pelo meu credo, mas sim pela grandeza da minha alma, que Ă© verdadeiramente lusitana.
E jĂĄ agora, deixe que lhe diga:
“Quem nĂŁo se orgulha do seu povo, nĂŁo merece os seus aplausos.”
Respeitosamente,
Manuel Muralhas
Um homem de 84 anos,
Neto de analfabetos,
Pai de emigrantes,
Filho de Portugal.
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