As mais-valias obtidas nos mercados de capitais devem ser mais tributadas, sugere o grupo de trabalho para o estudo da política fiscal, nomeado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O relatório é hoje apresentado no Ministério das Finanças.
“A generosidade fiscal que, entre nós, existe relativamente às mais-valias obtidas na alienação de valores mobiliários – em particular das acções – é frequentemente considerada fonte de manifesta injustiça fiscal”, refere o relatório. “A nosso ver (...), a perda de receita e a redução da equidade parecem-nos bem mais importantes do que um suposto factor de apoio ao mercado de capitais. Em países como a Espanha ou o Reino Unido, para citar apenas dois exemplos, tributam-se estes ganhos e não é por isso que o seu mercado de capitais se ressente.”
Actualmente, essas mais-valias estão isentas de imposto, caso sejam geradas por acções detidas há mais de um ano, ou pagam 10 por cento, se detidas há menos de um ano. As mais-valias podem ser englobadas no rendimento total do contribuinte, mas apenas metade pagará imposto.
Apesar da visível injustiça face a outro tipo de rendimentos – nomeadamente do trabalho ou das pensões –, esta ideia promete ser polémica. Em 2000, o Governo de António Guterres tentou fazer com que ascentenas de milhões de contos anuais de mais-valias “pagassem” para o Estado. Mas a reforma Pina Moura, defendida até exaustão pelo seu secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes, provocou uma forte reacção empresarial, avisos de fugas de capitais, veementes reacções da banca. E, apesar da maioria à esquerda no Parlamento, o Governo recuou e a iniciativa acabaria por ser abortada em 2002 com o Governo Durão Barroso, era Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças.
Rever o sistema fiscal
O grupo de trabalho foi criado em Janeiro passado com o fim de “proceder à análise da política fiscal”, com “especial ênfase aos objectivos da competitividade, eficiência e justiça do sistema fiscal”, num quadro de equilíbrio orçamental a prazo.
Cinco subgrupos coordenados por António Carlos Santos, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo Guterres, e António Ferreira Martins, debruçaram-se sobre novas tendências da política orçamental, reforma da tributação do rendimento e do património, fiscalidade indirecta e uma nova relação tributária com os contribuintes. O relatório final possui mais de 700 páginas.
Simplificação no IRS
Uma das principais sugestões é a clarificação da tributação sobre o rendimento. Opta-se por melhorar a actual “semidualização do IRS”.
Quando o IRS foi criado, a ideia era que todo o rendimento ficasse sujeito às mesmas taxas, definidas por escalões e progressivas – quem mais tinha, pagava mais. Mas esse espírito “puro” do IRS nunca foi aplicado. Parte dos rendimentos ficou sujeita a taxas progressivas e outra a uma taxa única. A proposta é manter essa separação.
Os rendimentos do trabalho (dependente e independente), pensões e regimes de imputação ficariam sujeitos a taxas progressivas. Os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias pagariam uma taxa única de 20 por cento. Todas as taxas liberatórias vigentes desapareceriam.
A vantagem seria simplificar o complexo sistema de taxas e clarificar o sistema fiscal, aproximando-o do espanhol e sem impedir uma evolução futura. Ou seja, o regresso ao espírito “puro” do IRS, ou a uma única taxa sobre qualquer rendimento (flat-rate, surgida na Europa de Leste e América Latina).
Este agravamento da tributação poderia ser utilizado para argumentar que iria provocar uma quebra do investimento directo estrangeiro. Ora, o grupo de trabalho critica esta ideia. Mais importante será “a lentidão da justiça fiscal, a frequência das alterações legislativas e a importância do ‘direito circulatório’ da administração e sua deficiente divulgação”. Como elementos positivos, menciona-se o alargamento substancial da rede de acordos de dupla tributação, as medidas de simplificação administrativa e a descida da taxa do IRC.
Grandes fortunas de fora
E se os autores não encontram dificuldades em introduzir um agravamento na tributação das mais-valias, o mesmo não se passa em relação às grandes fortunas. A Constituição refere que a tributação do património deve “contribuir para a igualdade dos cidadãos”, mas a sua aplicação não é linear.
O grupo de trabalho aceita que o património não se deva cingir ao imobiliário, e abarque títulos, acções, jóias, obras de arte, numerário, etc. Faz ainda eco das críticas à extinção do imposto sucessório, por pressão do Partido Popular. E defende que a tributação das grandes fortunas é tema de debate. Mas se o grupo de trabalho concorda com a equidade da medida, salienta a dificuldade em aplicá-la, dada a “mobilidade internacional das formas de riqueza mobiliária”. O exemplo francês não teve “consequências dignas de registo na receita fiscal”, lembram os autores.
Nova dedução específica
Em matéria de IRS, o documento que é hoje apresentado defende ainda uma maior dedução específica para os assalariados e pensionistas, uma maior aproximação das tabelas de retenção na fonte à realidade, de forma a evitar “a retenção em excesso” e a possibilidade de os casais poderem entregar a declaração de IRS em separado.
Na prática, o grupo considera que a actual dedução específica, que se cinge aos descontos para a segurança social, deveria incluir ainda as quotizações para ordens profissionais e as despesas de formação profissional.
O grupo de trabalho defende também que há urgência em introduzir o regime de tributação separada dos casados, porque existe desde uma desigualdade face às uniões de facto “até à consideração das disparidades existentes entre a obrigatoriedade fiscalmente imposta de declarações conjuntas e as realidades de gestão autónoma do rendimento e património pelos membros do casal”. As deduções relativas aos dependentes deveriam ser “repartidas entre os cônjuges”.
Por João Ramos Almeida (LUSA)
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