terça-feira, 3 de novembro de 2009

CITANDO O IRMÃO FRATERNO JOFFRE JUSTINO

"Li recentemente, num jornal, que uma deputada do Bloco de Esquerda entendia ser necessário rever o Hino Nacional de Portugal, A Portuguesa, por ser um hino “militarista”.

É espantoso como uma deputada de Portugal desconheça, tanto assim, o Hino do seu País, a sua História, a sua raiz, a ponto de cometer tamanho erro.

Já o relatei nestes textos – A Portuguesa é um Hino anti imperialista, anti britânico, nascido em acto de revolta perante a ameaça de invasão de Portugal pelo Reino Unido e perante o esportular dos espaços africanos detidos por Portugal, também por parte deste mesmo Reino Unido.

Parece, definitivamente, que a Comissão para a Comemoração do Centenário da República deverá fazer algumas sessões de esclarecimento explicitamente para os Deputados, nacionais, regionais e europeus, pelo menos para uma parte dos mesmos, portugueses, em nome de alguma essencial informação que os qualifique adequadamente para a função que têm de cumprir.

De facto, em abono da necessidade acima exposta e antes do mais, a primeira versão de A Portuguesa era, como sabemos, não contra os canhões marchar, mas sim contra os bretões marchar, tendo-se transformado em contra os canhões para dar um carácter mais amplo ao conceito do poema, reforçando-se, desta forma, um conceito de resistência generalizada em defesa de Portugal.

O que, diga-se, não tem nada de militarista…

Aliás, a Academia de Estudos Laicos e Republicanos disponibiliza-se para essa tarefa de bom grado.

Mas, porque é dever de um Republicano o esclarecimento dos cidadãos e cidadãs, deixo neste pequeno texto algumas notas em volta de uma intervenção de Manuel Arriaga, O Novo Tratado Luso Britânico, retirada do livro Portugal em Crise, da Fronteira do Caos, 2006, para que se entenda ainda melhor o ambiente cultural, social e politico em que o país vivia.

Cito assim, antes do mais, uma Moção de Manuel Arriaga que segundo ele, resume, “a guerra franca e definida que eu faço ao tratado que entrou hoje em discussão”, porque esta Moção, aliás toda a intervenção de Manuel Arriaga, denuncia com enorme veemência o carácter imperialista do reino Unido e o seu desprezo pelos seus aliados, como Portugal.

Assim, “ A câmara, considerando:
1º Que depois do Ultimato de 11 de Janeiro de 1890, e em face das consequências naturais e funestas que dele derivaram, é ofensivo do direito, do decoro e dos interesses da nação portuguesa tratar directamente com a Grã Bretanha
2º Que já pelos limites territoriais traçados, astuta, propositada e prepotentemente, aos nossos antigos domínios, mutilando-os; já pelas clausulas impostas à nossa soberania, na zona que nos é reservada, tornando, quando aceitas, em ludíbrio dos povos uma nação benemérita entre as primeiras
3º Que em tais condições as bases em discussão, sob as formas correctas da diplomacia, encerram uma formal declaração de guerra ao nosso vasto domínio colonial, com o intuito de aniquilá-lo e abrir passagem livre em todos os sentidos à ambição britânica
4º Que não está nos poderes de uma câmara ordinária decidir da mutilação da pátria e da violação da constituição, e uma e outra coisa se contêm no projecto em discussão
5º Ponderando, finalmente, que nas condições especiais em que se encontra a Grã Bretanha: a entrega àquela potencia dos nossos domínios no interior da África, do planalto de Manica, de toda uma rede fluvial do grande Zambeze e seus afluentes, do Chire, de comunicações rápidas, feitas à nossa custa, do interior para o mar, onde ficará senhora do cais e amarradouros, nas embocaduras dos nossos rios, construídos ainda à custa da nação espoliada; e que tudo isto importa um pacto que altera a carta geográfica e politica do mundo, onde devem ser ouvidas todas as nações nele interessadas
Escudada ainda no que dispõe o artº 12º do acto de Berlim:
Julga-se incompetente para votar o projecto em discussão e delibera apelar para a conferência das nações e passa à ordem do dia - o deputado por Lisboa Manuel Arriaga”

Alguns “anti colonialistas de pacotilha”, na minha humilde opinião, dirão, perante o texto da moção acima, que estaríamos a assistir a um debate entre duas potencias imperialistas, uma em decadência, Portugal e outra em fase de expansão, a Grã Bretanha.

E que o ideal era que Portugal nunca tivesse saído dos seus 89 000 km2.

Tal qual, segundo Camões, defendeu o Velho do Restelo.

Porque esse tipo de discurso, de um moralismo razoavelmente serôdio, se limita a ser o discurso dos que gostam de “rever” a História, em vez de partir dela para o Futuro.

Até porque esse caminho o do abandono, (ou do recuo depois do seu iniciar, como sucedeu com a China, que preferiu manter-se continental, e abandonou a expansão marítima logo no seu inicio), ou da não realização da expansão portuguesa, teria impedido o surgimento do Espaço de expressão em Língua Oficial Portuguesa, sem que nada impedisse que outros imperialismos existissem, bem mais violentos que o português.

Como, na verdade é o que estamos a viver ao tempo do Ultimato…

Retomemos um pouco mais o texto de Manuel Arriaga, “ “A África, verdadeiramente, só agora é que se levantou como um problema de uma grandeza enorme e singular aos olhos das nações cultas. A África tem sido até agora o continente negro e misterioso, do qual todos fugiam; mas hoje esse continente está sendo o alvo onde atiram as ambições do mundo. A África senhores deputados, que nem por nós foi estudada e compreendida devidamente num longo período de três séculos, a África surge hoje como uma espécie de El Dorado dos povos, um manancial inesgotável de riquezas, tão ocultas talvez quanto imaginadas”.

Manuel Arriaga não nega portanto a ignorância havida, ao seu tempo, mesmo em Portugal, sobre África, uma África onde os portugueses subsistiam sobretudo à custa de três apoios dominantes – a sua capacidade militar face à capacidade militar dos “reinos” das múltiplas regiões africanas onde se mantinha, a capacidade de influencia espiritual e religiosa, mesmo que negativa, da igreja cristã de Roma, e a existência de uma forte comunidade afro portuguesa, na sua maioria mestiça de branco e negro, (mas também de índio e indiano), que ela sim se mantinha no terreno mantendo assim o império português, de forma relativamente estável.

O que acentua é a ambição das restantes nações europeias em acederam “às riquezas” naturais desta África que começava a despontar.

E, perante tal, assume que a opção da perca de território que a Grã Bretanha queria impor a Portugal não era assunto somente de uma Câmara, de um país, mas sim do contexto dos países interessados em geral e não somente da Grã Bretanha.

Daí o apelo à conferência das nações para dirimir este conflito, que já era militar, e transcontinental.

Defende ainda Manuel Arriaga, “A Inglaterra, senhora de África e senhora dos mares, nas condições de riqueza e prosperidade em que ainda hoje se encontra, quando mesmo venha a perder a Índia, provocará com a sua grandeza e poderio colossais um grande desequilíbrio na politica da Europa…a senhora dos mares, a carcereira do mediterrâneo, que do alto do ilhéu de Gibraltar, astuta e vigilante, domina o oriente e o ocidente, ela a rival da Rússia, passará a ser o segundo espectro do mundo”, como sucedeu e como o sabemos hoje.

Defende de seguida por várias vezes que a presença colonial portuguesa em África é estabilizadora para o concerto das nações europeias, razão pela qual esta mesma presença se deva manter.

Recorda ainda Manuel Arriaga, “Em Alcacerquibir liquidou-se então a confiança cega deste país na Divina Providencia, isto seja dito sem ânimo de escandalizar os Srs. sacerdotes que me escutam! Perdida esta fé, este glorioso país, vítima ainda da educação religiosa e freirática, que lhe deram, procurou um outro ponto de apoio, um pouco mais positivo é certo, mas derivado do primeiro: a crença no seu rei como delegado do seu deus, o rei a síntese da pátria; o rei escudo e amparo seguro da sua independência: o rei era, segundo essa crença, na forma monárquica constitucional, a outra providencia que velava por nós! Enquanto a dinastia de Bragança ocupasse o trono, Portugal, diziam eles, veria mantida a integridade da pátria, porque a Europa estaria sempre do seu lado”.

Diz então Manuel Arriaga, “Um escritor insigne definiu a missão histórica da coroa portuguesa, na dinastia de Bragança, como uma mãe que vai num carro com os frutos do seu amor e que, vendo-se no caminho assaltada por lobos daninhos, para se salvar a si, vai-lhe entregando os filhos!”

Portugal passou a ser, com a expansão marítima, um império teocrático, e, na verdade, Manuel Arriaga tocava com o dedo, com a mão toda, na ferida – a perca do Império, estaria a originar outro Portugal, onde, por consequência, a dinastia de Bragança deixaria de ter razão para reinar.

Poderia continuar a apreciar este importante discurso de Manuel Arriaga, em plena crise do Ultimato de 1890.

Nele o autor descreve as razões da sua zanga, mas sobretudo as razões da zanga de um país, para com outro que o humilhava e para com os que, sem honra cediam a essa humilhação – em especial a corte e o rei D. Carlos.

É neste contexto que nasce A Portuguesa, como já o referi. É neste contexto que se pode e deve compreender, como ainda veremos também, o Regicídio. É neste contexto que a república nasce tão facilmente, mas também dividindo tanto, como dividiu, o país.

Eis porque é ridículo, e serôdio, exprimir opiniões sobre A Portuguesa, na estrita percepção “militarista” do seu teor, musical e poético."

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