PENSAMENTOS ABERTOS E LIVRES - 94 (SER PORTUGUÊS)
Ser Português
Introdução
Ser português é mais do que possuir um cartão de cidadão e um local de nascimento num mapa europeu. É carregar uma herança de séculos de história, um modo particular de ver o mundo e uma forma de estar que mistura orgulho e saudade, coragem e melancolia. Ao longo dos tempos, o povo português construiu uma identidade complexa e única, marcada pela descoberta do desconhecido e pela resistência nas adversidades. Refletir sobre o que é ser português é, por isso, mergulhar na essência de um povo pequeno em dimensão, mas enorme na alma, que aprendeu a fazer do mar uma estrada e da língua uma pátria.
Desenvolvimento
A identidade portuguesa formou-se na confluência de culturas, na miscigenação de povos e na travessia de oceanos. Desde o tempo dos Descobrimentos, Portugal afirmou-se como um país de aventureiros e sonhadores, capazes de transformar a incerteza do mar numa oportunidade. Navegadores como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral ou Fernão de Magalhães não apenas desbravaram mares, mas também abriram horizontes de pensamento, ciência e cultura. Essa vocação para ir mais além, mesmo diante do desconhecido, tornou-se parte do ADN nacional: o espírito aventureiro e curioso, temperado por uma humildade discreta, característica do povo português.
Contudo, ser português não se resume às glórias do passado. É também compreender as contradições e as dificuldades que moldaram o presente. Portugal é um país de contrastes — entre o interior e o litoral, o urbano e o rural, o progresso e a tradição. Ao mesmo tempo que se afirma como membro ativo da União Europeia e do mundo globalizado, preserva as suas raízes mais profundas: o convívio à mesa, o amor pelo fado, o orgulho nos poetas, e a nostalgia que se traduz na palavra “saudade”, uma das expressões mais belas e intraduzíveis da língua portuguesa. Ser português é sentir essa saudade constantemente — de algo que já passou, de alguém que partiu, de um tempo que não volta — e, ainda assim, encontrar força na esperança.
Outro aspeto essencial da identidade portuguesa é a língua. A língua portuguesa é um património vivo que une mais de duzentos milhões de pessoas espalhadas pelo mundo. É a ponte entre continentes, uma herança que transcende fronteiras. Camões deu-lhe forma poética, Pessoa deu-lhe profundidade, e José Saramago conferiu-lhe modernidade e universalidade. Falar português é partilhar uma história comum, é pertencer a uma comunidade de afetos e memórias. A língua é, talvez, o maior símbolo de continuidade da nação, uma prova de que o que é ser português não se esgota no território.
Ser português é, também, viver com uma certa humildade perante o mundo. É ter orgulho na história sem deixar que ela se transforme em arrogância. É olhar para o futuro com esperança, mesmo quando as dificuldades são grandes. O povo português aprendeu a resistir: resistiu a crises económicas, a ditaduras, a revoluções, e reinventou-se em democracia. Essa capacidade de adaptação e de renascimento é, em si mesma, uma forma de coragem silenciosa. Portugal pode ser um país pequeno, mas é imenso na solidariedade, na capacidade de acolher e na arte de viver com simplicidade.
Há ainda algo de poético em ser português — uma sensibilidade que se expressa na arte, na música, na literatura e no quotidiano. Do fado à azulejaria, da poesia à culinária, o português vive a beleza das pequenas coisas. O mar, o pôr do sol, o café partilhado com amigos, a festa do bairro — tudo se transforma em parte de uma identidade que valoriza o que é autêntico e genuíno. Talvez por isso o povo português seja tão resiliente: encontra sentido nas pequenas alegrias, e isso sustenta-o mesmo nos momentos mais difíceis.
Conclusão
Ser português é, portanto, um estado de alma. É viver entre o passado e o futuro, entre o orgulho e a melancolia, entre o sonho e a realidade. É carregar a história dos navegadores, a poesia dos nossos escritores e a força das gentes que, apesar das adversidades, continuam a acreditar. É compreender que Portugal é mais do que um país — é uma forma de sentir o mundo. O ser português manifesta-se na saudade, na solidariedade, na persistência e na esperança que renasce todos os dias, mesmo quando o caminho é incerto.
No fundo, ser português é continuar a acreditar — acreditar que, apesar de pequeno, o país tem sempre algo grande a oferecer ao mundo: a sua cultura, a sua língua, o seu coração. É isso que nos torna únicos e que nos faz sentir, com orgulho e emoção, que somos portugueses.
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