Por: Filipe Zau*
Geoffrey Norman Blainey é um prestigiado académico australiano, que começou por leccionar na Universidade de Melbourne a cadeira de História Económica, em 1968 e de História, em 1977, tornando-se, mais tarde, decano da Faculdade de Artes desta mesma instituição. Hoje, é também professor da Universidade de Harvard, tendo recebido, em Nova Iorque, o International Britannica Award, pelo seu trabalho na difusão do conhecimento em prol da humanidade. Autor de mais de 32 livros lançou, em 2004, o seu mais recente trabalho de investigação “A Short History of the World”, que, em 2010, surge, já em 2ª edição, através da Editora Fundamento, nos escaparates das livrarias brasileiras, com o título de “Uma Breve História do Mundo”.
Um dos muitos aspectos relevantes desta obra está relacionado com um conjunto de informações sobre África, um continente, normalmente, ignorado ou, no mínimo, pouco referenciado e, não raras vezes, mal tratado, dada a conotação marcadamente eurocêntrica levada a cabo por muitos investigadores ocidentais na interpretação dos factos históricos. Procurei dedicar uma particular atenção à questão do tráfico de escravos e deparei-me com interessantes aspectos, que, se nos afastarmos dos aspectos doutrinários e ideológicos – tal como exige a metodologia de investigação em ciências sociais, para que a interpretação dos factos seja o mais próximo possível da realidade objectiva – somos, necessariamente, obrigados a aceitá-los e a estudá-los devidamente, atendendo ao seu pertinente valor epistemológico.
A abordagem sobre as sociedades escravocratas nos conteúdos programáticos do nosso ensino situa-nos, quase exclusivamente, na antiguidade clássica da Europa Ocidental – mais precisamente nas cidades-Estado da Grécia e em terras governadas pelo Império Romano – bem como também no continente africano e americano. Neste contexto, as populações africanas dominadas pelas diferentes administrações coloniais europeias, ou eram escravizadas no seu próprio continente ou, então, embarcadas em navios negreiros para serem fixadas na Europa e, maioritariamente, no Novo Mundo. Contudo, nada nos é revelado em relação: à China antiga, que também possuía milhões de escravos, cuja prática comercial se estendeu até 1908; à Índia que, antes e depois de Cristo, também tinham escravos; às comunidades ameríndias que, muito antes da chegada de Colombo, possuíam escravos e semi-escravos; à Rússia que manteve o regime de escravatura até à mesma década em que a escravidão nos Estados Unidos, por força da 13ª Emenda Constitucional, chegou ao fim, em 1865; aos próprios africanos que, antes dos navios europeus começarem a transportar escravos de África, já eram também comerciantes de escravos.
Segundo Geoffrey Blainey, desde 1500 foram, provavelmente, vendidos mais escravos africanos às terras islâmicas do que às terras cristãs, sendo os muçulmanos os seus principais comerciantes em África. Presume-se até que, este tipo de comércio tenha começado em África, bem antes do próprio Islão ter descido à África subsahariana. Em África, muitas das pessoas chegaram a ser escravizadas pelos seus próprios pais, que, às vezes, vendiam os filhos, bem como irmãos chegavam a vender irmãos, algo que a perspectiva mais afrocêntrica da histórica de África também não nos revela. Estima-se que, “talvez metade dos escravos que terminaram os seus dias em terras ou regiões estrangeiras tenham sido escravizados pelo grupo ou sociedade africana da qual faziam parte. Em África, os escravos eram geralmente devedores, criminosos, desajustados, rebeldes e, principalmente, prisioneiros de guerra”. Mas tal também ocorreu na Ásia, na América e na Europa, como tivemos oportunidade de constatar.
No século XVI, a maioria dos escravos exportados da parte ocidental de África eram mulheres vendidas para as terras islâmicas. Já no século XVII, a maioria deles eram homens destinados às colónias cristãs da América. Inicialmente, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo consideravam que a escravatura era uma instituição antiga e útil, na qual não se deveria mexer. Os portugueses foram os pioneiros do comércio de escravos para o Novo Mundo. Mas, segundo Luís Ramos Tinhorão, tudo parece indicar que, nos fim do século XIV, se realizava um intenso comércio internacional com o Norte de África e entre as mercadorias negociadas por venezianos, genoveses, espanhóis e portugueses encontravam-se, naturalmente, os escravos.
Segundo Oliveira Marques, os primeiros escravos negros que foram levados para Portugal por Antão Gonçalves, em 1441, eram do norte da Mauritânia. Entre 1441 e 1448, chegaram, no mínimo, mil escravos, ou mais, aquele reino e na década de 1450, passaram a entrar, anualmente, uma média de 700 a 800 escravos via Algarve ou Lisboa. Também eram usados pelos portugueses escravos negros nas plantações de açúcar nas Ilhas de Cabo Verde e da Madeira. Posteriormente, os britânicos e outras nações de navegadores logo se juntaram a este desumano e lucrativo comércio. A maior parte do açúcar consumido na Europa era cultivada por escravos africanos que trabalhavam no exílio.
Será que, à época, foi o sentimento humanista dos americanos e dos países europeus mais desenvolvidos que levou ao término do tráfico negreiro ou, simplesmente, foi o interesse comercial para a venda das máquinas a vapor, logo após a revolução industrial, em 1820, que determinou o fim deste desumano comércio? A história mostra-nos que, desde sempre e em qualquer parte, o fundamentalismo da lógica do lucro pouco ou nada se compadece com o respeito pela equidade e espírito de solidariedade que, teoricamente, nos dias de hoje, ainda reclamamos como imprescindíveis para um mundo melhor.
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