domingo, 2 de maio de 2010

CITAÇÃO

A crise sem saída possível

Portugal está, neste momento, sob ataque cerrado e inevitavelmente não vai aguentar. A questão não é só essa: há um ataque concertado contra o Euro, liderado pelos EUA (o monopólio do dólar não pode ser quebrado), acompanhado em surdina pelo Reino Unido e com o beneplácito implícito dos BRICs, desta feita com brechas na muralha, por onde o inimigo se vai infiltrando. Portugal é apenas um dos elos mais fracos e, por conseguinte, todos os movimentos especulativos aí se concentram par prosseguirem a sua rota em direcção a outros pontos sensíveis, casos da Espanha, Irlanda e Itália. A queda da Grécia, em grande parte por sua própria culpa (manipulação de contas e números, aldrabices, má gestão, corrupção, et alia), iria arrastar outros no pretendido desmoronar da casa “comum(?)” europeia. Portugal, que diverge, na negativa, dos padrões europeus há mais de 10 anos, pequena economia estagnada, aberta e vulnerável, é o alvo ideal para esse ataque e isso não tem tanto que ver com a divida pública, mas sobretudo com a dívida global das empresas e dos particulares em correlação com o PIB lusitano.
Assim, como refere a Bloomberg (http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=axf0_6ZHyUNg&pos=4):
“While Portugal’s public debt of 77 percent of gross domestic product is on a par with that of France, the burden including corporate and household debt exceeds that of Greece and Italy, at 236 percent of GDP. The savings rate is the fourth-lowest among 27 members of the Organization of Economic Cooperation and Development, according to the Paris-based group’s data.”
Por outro lado, que ninguém se iluda acerca dos nossos parceiros que nos deixam cair na primeira curva do caminho, assim como estão a deixar cair os gregos. Antes do mais, temos de tomar em consideração duas questões fundamentais e contraditórias na filosofia e prática da União Europeia:
a) Trata-se de um projecto politico e não económico ou financeiro. Os seus objectivos são claramente políticos – é esta uma das bases do Tratado de Lisboa. Consequentemente, tem de haver vontade politica para manter a Europa unida e com objectivos políticos inequivocamente definidos, nos quais se inclui, necessariamente, a solidariedade do p´roprio grupo. O problema não se pode pôr ao contrário: isto é, afirmar que se trata de uma união aduaneira ou de uma vasta zona de livre-câmbio. Muito embora as etapas percorridas tenham sido essas, sem perder de vista o objectivo final.
b) Como dizia o antigo presidente da Comissão Europeia, Jacques Delores: “A União não é mais que um mero somatório de egoísmos nacionais”
Entramos pois num universo de contradições, porque não enfrentamos de uma forma racional os problemas tal e qual se devem pôr. Neste sentido, compreende-se a posição da Alemanha (o projecto politico não lhe interessa e o que está sobre a mesa são os seus interesses)
A este respeito atente-se o que refere Seixas da Costa no seu blogue “Duas ou Três Coisas” (http://duas-ou-tres.blogspot.com/2010/04/portugal-e-crise.html

“A Alemanha, que - convém que se diga - é a grande beneficiária da abertura do grande mercado europeu, parece demonstrar que não está disposta ao gesto, político e económico, de prestar garantias claras e inequívocas a esses parceiros - não obstante as fortes medidas de rigor que eles colocam em prática, com imensos custos sociais e políticos, sob a observação rigorosa das entidades internacionais.”
Ora, muito rapidamente, vamos a um episódio recente da história alemã que ilustra bem o que se diz: quando da reunificação e uma vez feitas as contas quanto ao respectivo custo que teria de ser pago pelos cidadãos da antiga Alemanha Ocidental. Ninguém queria pagar e a polémica então gerada foi grande, grave e dolorosa. Por outras palavras, se não existe por parte dos alemães espírito de solidariedade intra-germânico, numa questão tão importante como a da reunificação de uma pátria dividida há 44 anos, após uma Guerra dilacerante e brutal e, bem assim, a ocupação estrangeira (soviética) como é que pode haver solidariedade com os parceiros europeus?
Pergunta-se:
A Alemanha vai ajudar a Grécia? Até agora nada disse, o que é sintomático.
A Alemanha irá ajudar Portugal?
A Alemanha irá, se for caso disso, ajudar a Espanha, Irlanda, Itália ou qualquer outro?
Se não for a Alemanha, podemos contar com mais alguém?
As respostas começam a clarificar-se nos nossos espíritos.
A Grécia e, posteriormente, Portugal vão ter que abandonar o Euro e voltar às respectivas moedas nacionais. A Alemanha das duas uma: ou cria um núcleo duro do Euro (que como se sabe assenta no conceito do marco alemão) ou pura e simplesmente acaba com a moeda “única” (?) e reintroduz o marco.
Os americanos, britânicos e BRICs vão esfregar as mãos de contentes: a estratégia resultou.
Vamos efectuar um percurso até às origens: onde é que começou a crise? No sub-prime norte-americano, nos hedge funds, nos chamados produtos tóxicos. Depois de os ianques terem pago parte da factura em quem é que vai recair a conta final?
Que ninguém pense que estamos dominados pela monomania da perseguição ou por alguma paranóia emergente, com características anti-USA doentias e primárias. É certo e sabido que as 3 grandes agências de “rating”, todas elas, sem excepção, americanas (Fitch ratings, Moodys e Standard and Poors), cuja competência e credibilidade são postas em causa, estão na razão directa da maior ou menor turbulência dos mercados. Credibilidade, dizíamos nós? Com efeito, será que previram a crise do sub-prime? A recessão? O descalabro económico-fiannceiro dos últimos anos? Os chamados produtos tóxicos financeiros? Só servem então para a especulação pura, ao serviço de interesses inconfessáveis, mas detectáveis.
Estas agências de “rating” ou de notação especulam livremente contra o Euro e contra a dívida soberana dos países mais débeis. É uma ordem de batalha perfeitamente clara, visando como objectivo final o fim da Eurolândia e o retorno a um status quo ex ante que é o que interessa a Washington, a Londres e, em suma aos BRICs e outros. Como sublinha George Friedman no seu livro “Os próximos 100 anos - uma previsão para o século XXI” (ed. Livros de Hoje das Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2010) entrámos na “era da América”, com o declínio inevitável da Europa e do sonho europeu (que nesta óptica não nos conduz a parte alguma).
Ainda, hoje, a porta-voz da Comissão Europeia, Chantal Hughes, a propósito das notações de crédito da Grécia efectuadas pelas agências de “rating” sublinhou que estas se deviam pautar por um “comportamento responsável”:
“The commission has already taken action to put in place a regulatory framework on credit-rating agencies and we will continue to watch very closely the behavior of the financial markets during the crisis.”
(ver http://www.businessweek.com/news/2010-04-28/eu-says-credit-rating-agencies-should-act-in-responsible-way.html)
O efeito bola de neve criado pelas agências, que atribuem níveis de risco desorbitados a determinados paiíses mais frágeis, conjugadas com a especulação bolsista dão o resultado que se sabe. Depois, por uma questão de facilidade, mete-se tudo dentro do mesmo saco, mas Portugal não é a Grécia, nem a Espanha é comparável à Irlanda. Existem não só diferenças de grau, mas, igualmente, de problemas específicos, de comportamentos, de políticas, etc.
Mas voltemos ao problema de fundo. A Europa a bem dizer não existe, porque a Alemanha não quer que exista e, como parece ter ficado bem demonstrado, no nosso escrito anterior, Berlim pensa apenas nos seus interesses e na recriação de um universo dominado pelo DM ou por um Euro que em tudo se lhe assemelhe. Contra factos, não há argumentos.
Leia-se o que a este respeito escreve Francisco Seixas da Costa no seu blogue “Duas ou três coisas”
“Neste quadro de dúvidas criadas sobre a solidariedade dentro do espaço da moeda única [elia-se solidariedade principalmente alemã], as agências de "rating" repercutem tal perplexidade, pelo que fazem um "upgrading" dos níveis de risco para os "produtos" financeiros ligados a esses países. A perversidade desse mecanismo está no facto de. ao tomarem tal ação, essas agências agravarem ainda mais a situação dos países, pela circunstância dessa sua opinião conduzir os mercados a cobrarem mais pelos empréstimos aos Estados cuja situação já era complexa.” (ler o texto completo em http://duas-ou-tres.blogspot.com/2010/04/portugal-e-crise.html).
Este assunto está muito longe de ter terminado.

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