domingo, 26 de março de 2023

CITANDO Maria João Teles Grilo, Arquitecta

Luanda cai, exausta! Treme-lhe o esqueleto. Bamboleiam-lhe os pilares. Luanda está exausta! Gostaria de estar a exagerar, mas infelizmente não estou. Num apanhado que só cabe aqui ser muito resumido, a ruptura da estrutura física da cidade começou com os confrontos entre movimentos de libertação após os acordos de Alvor, com o êxodo dos técnicos na debandada e atabalhoada “ponte aérea”, com o inicio da guerra civil após a independência, com as sabotagens às redes de distribuição eléctrica e de água e o êxodo das populações rurais para as cidades. Desde então, as sistemáticas crises, de que nunca mais saímos, têm continuadamente minado a estrutura urbana das cidades. Luanda é naturalmente o caso mais grave. A cidade que em 75 tinha 600.000 habitantes, tem hoje, estimadamente 9 milhões. A cidade do cimento, a “cidade branca”, tem sido sobreocupada, ao mesmo tempo que cresce desmedidamente a auto-construção, sem quase planeamento, sem regras, sem fiscalização séria. Sem um abastecimento regular e normal de água e de electricidade, mesmo depois da Paz, em 2002, e até agora, vão-se somando os tanques de água nas varandas dos edifícios, os geradores, a ocupação de terraços tornados habitações e as remodelações aleatória dentro dos apartamentos e das lojas nos pisos térreos, cuja maioria das obras se faz sem fiscalização, sem orientação técnica e com a leviandade que a ignorância permite, sem olhar às consequências. Um simples M3 de água pesa uma tonelada e desta simples informação se deduz riscos. E, pela calada da noite, as rupturas de canos de redes de águas, acredita também que os deuses são angolanos, enquanto, tudo junto e em uníssono, vão fissurando paredes, abrindo rachas, descalçando pilares. Manutenção é palavra que não se usa fazer. De venda nos olhos, Luanda caminha inconscientemente para o precipício. Como inconscientemente subimos escadas sem corrimãos, pisos semi partidos, galerias com pavimentos já abatidos e olhamos o céu entre grades e ferros à vista das lajes dos tectos. Durante o tempo da guerra e depois dela, arquitectos, engenheiros de estruturas e hidráulicos, tentaram advertir, fizeram propostas, pareceres técnicos,… mostrando o agravamento das condições da cidade. A resposta por parte do governo e do governo provincial foi sempre a mesma:- vocês gostam de complicar! Alguns estarão, face a este texto, a repeti-la, mesmo tendo como cenário o desmoronamento do edifício, esta madrugada, na Av dos Combatentes. Valentes resistentes à lógica e ao conhecimento! Como respondeu uma candidata, num exame de acesso à Universidade Lusíada, quando aí dei aulas, - “quais os limites de Angola?- Angola não tem limites, cada um faz o que quer, como quer e quando quer”. Resposta textual! Gerir uma cidade com a complexidade de Luanda, exige competência, experiencia técnica, curriculuns verdadeiros e consistentes. Que governador de Luanda teve a envergadura técnica para a gerir? Que formação académica, obra feita, experiencia comprovada, tem o curriculum de qualquer um deles? As escolhas continuam a ser políticas. Muito poucos fogem a esta regra. Entre o populismo e a repressão, a cidade vive ao deus dará. O primeiro desmoronamento aconteceu em 2008 com o desabamento do edifício da DNIC ( Direcção Nacional de Investigação criminal) Causou 24 mortos. E o que foi desde então feito? Que fiscalizações reais e sérias, que manutenção, que reparações de estruturas, que substituição de redes de águas dos edifícios? Passaram 15 anos. Deus é angolano. Será….e para os que entregam o presente e o futuro a Deus, também o Altíssimo está farto de tanto descalabro, de tanta falta de bom senso, de tanta ignorância arrogante, de tanta politiquice e de tanta falta de competência técnica e acção, na gestão da cidade. Todos sofrem diariamente a constatação evidente disso, na cidade do cimento e na cidade auto-construída dos inúmeros bairros. Um outro edifício cai. Declara-se a constituição de uma comissão para levantamento do estado dos edifícios. Sem desmerecer esta atitude, a solução não se resolve por aí. A solução, que era para antes de antes de ontem, só pode ser encontrada numa reestruturação radical de toda a pirâmide das estruturas governativas. Só pode dar frutos se nos ministérios, governos provinciais e administrações municipais, se colocarem técnicos competentes, curriculuns credíveis, que realmente saibam o que é, e como, gerir uma cidade. E o alerta não se resume aos edifícios construídos antes de 75. Em muitas cidades há edifícios em óptimo estado, que foram construídos há séculos. O engenheiro Resende de Oliveira, que foi ministro das Obras Públicas, e que com grande pesar de todos, morreu recentemente, numa entrevista dada em 2018, ( https://aapc.co.ao/entrevista-ao-engo-resende-de-oliveira/ ) alerta para o perigo de desabamento, também, dos edifícios construídos desde 2002, por não obedecerem às regras fundamentais nas suas fundações e estruturas, tendo ele afirmado que o que se estava a fazer a Luanda era um desastre arquitectónico. É urgente rever, profundamente, a cidade abandonada a si própria, que Luanda é. Porque não são só os edifícios que estão exaustos, somos quase todos nós, cidadãos. Maria João Teles Grilo

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