PORTUGAL: PAÍS ADIADO OU FUTURO ?

Para quem já esqueceu as consequências do choque petrolífero nos finais do século passado; para quem colocou uma cortina fumada nas décadas em que a Segunda Guerra Mundial criou dificuldades incontáveis também no nosso País, a presente crise económico-financeira talvez assuma uma dimensão com proporções para além de imprevistas, demasiado importantes na vida dos portugueses.


A presente situação, estudada desde o seu real início, é bastante semelhante ao desenvolvimento de um filme dramático. Isto, para não acentuarmos a previsão das cenas que parecem encaminhar o argumento para os contornos de uma obra de final duvidoso, tal a perspectiva que se nos apresenta.

No princípio, Portugal era visto como um jardim florido à beira-mar plantado. Adesão à Comunidade Europeia, juras de amor finalizadas com a oferta do anel de casamento, traduzida na integração do país na zona do euro. Pelo meio, o pântano de António Guterres e a célebre tanga de Durão Barroso, o primeiro a aperceber-se que mais vale um ordenadão europeu na mão do que um redutor cheque de primeiro-ministro.

Antes, os triliões de euros entrados em troca da pesca em mar seco, da agricultura sem semente e das auto-estradas em série para degradação evidente do cenário provinciano mas rico em termos ambientais.

A ilusão da riqueza foi servida à mesa da Banca que, fotocopiando quer a congénere europeia quer a norte-americana, veio oferecer crédito ao preço da chuva. Habitações rurais depois das urbanas, automóveis para o pai, para a mãe e para o menino, a par de electrodomésticos, em especial os mais sofisticados, e comunicações telefónicas através de aparelhagem tecnicamente evoluída e de operadores cada vez mais atraentes com promoções espantosas, tudo serviu para o exibicionismo de condições fantasmas, porque a magia não é a realidade mas sim a concretização de truques devidamente concebidos para oferecer perspectivas inexistentes.

A saga da trágica-comédia que Portugal passou a oferecer ao mundo conheceu as pancadas de Moliére aquando da representação de um actor que nem sequer havia sido escolhido em casting popular. Preenchia uma deixa algo controversa. Claro que o encenador reparando no deslize do argumento, em breve mandava baixar o pano e utilizava os termos institucionais para encontrar o artista capaz de orientar a peça no sentido desejado segundo o rumo mais conveniente.

José Sócrates adiantou-se à concorrência e surgiu como o homem providencial. Bem-falante, determinado, mesmo ousado, parecia um tanque de guerra entre figurinhas sem consistência mental. A sua resistência às fisgas que lhe lançavam pedrinhas de silicone era notória. Nada, mas mesmo nada o demovia do caminho que ia percorrendo em ritmo aparentemente acelerado.

Claro que os receios de um atropelamento para quem seguia a pé entre viaturas que circulavam em direcção contrária, passavam a revelar-se cada vez mais acentuadamente. A agravar o panorama, mais belicoso do que pacífico, começavam a cair as canas incandescentes dos foguetes lançados sobretudo nos EUA e na Grã-Bretanha. O fogo-de-artifício que provocava a admiração dos espectadores da acção económico-financeira dessas duas grandes nações, afinal não passava de mera miragem, de efeitos pirotécnicos realizados por especialistas da ilusão de óptica.

Teimosamente, o nosso protagonista insistia na maratona de decisões, muitas vezes contraditórias das anteriores, ignorando toda uma evolução que até a mulher do padeiro já temia pelo destino da farinha servida aos portugueses.

À nossa volta, os sintomas eram tão picantes como o piripire que ia minando o estado sócio económico português. A procissão das de empresas falidas emergia como o retrato de uma sociedade em decadência à velocidade proibida.

Em 2010, talvez se tivesse invertido este quadro tão mal desenhado; um rotundo despiste do autocarro global do tal jardim à beira-mar agora mal plantado. No entanto, a clarividência do actor principal enfermava dos defeitos que levam sempre o paciente à mesa da cirurgia de recurso.

A peça fragmentou-se por completo. E acabou por ser necessário avaliar as capacidades. Ou melhor, a criatividade de novos intervenientes, com o público a patear o intérprete de seis anos perdidos ingloriamente.

Todavia, o argumento estava esgotado. Já não havia possibilidade de ser seguido pelos responsáveis nacionais, pelo que foi obrigatório estender a mão á caridade de perversos credores que a troco de contrapartidas exorbitantes revelam o seu cínico “desvelo” para com o país que, em decadência rápida, caminha para o abismo da falência com ou sem Orçamento Rectificativo, tal como já sucedeu com a Grécia, tentando a Espanha e até a Itália imitar as deficientes prestações nacionais e helénicas, desfecho que, seguramente, está ao seu alcance, graças à especulação dos abomináveis mercados, donos actuais da orientação económico-financeira de quem, no fim de contas, mantém viva uma existência reguladora que mais se assemelha a um coveiro empenhado em aprofundar a sepultura onde pretende depositar o cadáver da vitima por ele assassinada.

Hoje, Portugal, está à vista de todos, já deixou de ser uma nação independente. O euro, mostrou-se um falso anel de casamento que contribui para dissipar todas as dúvidas a esse respeito. Bastará consultar um denominado Memorando de Acordo mais rigoroso do que a nossa própria Constituição, o documento institucional que mais tem resistido à tentações dos políticos mais vanguardistas.

Claro que há um Governo eleito regularmente pelo povo. Mas também é evidente que o Governo mais não fez, até agora, do que cumprir, até por excesso, parágrafo a parágrafo, as instruções definitivas de uma Troika imperceptível nos seus propósitos com um empréstimo digno de experiente negociante de penhores.

Em suma, fica aqui uma pergunta pertinente: e se Portugal não encontrar nos impostos directos e indirectos, na redução da despesa estatal ou na criação de riqueza os recursos necessários para fazer face à sua evolução social e ao cumprimento das responsabilidades assumidas com os credores aparentemente ignorados por uma Comunidade Europeia mais interessada no umbigo dos seus “proprietários” alemão e gaulês do que na queda vertical dos “clientes” de produtos frescos ou móveis por eles fornecidos?

Provavelmente, a resposta será, igualmente, ambígua. È que, fica-nos a dúvida se Portugal continuará como país adiado ou mesmo sem futuro. Já caímos no abismo profundo que se perfila na estrada da nossa desilusão, mantendo-se, pelo menos, o martírio de uma crise que parece avolumar-se? Ou, pelo contrário, conseguiremos abandonar a nau da nossa fragilidade social a tempo de recuperarmos uma identidade tão abanada pelo exterior com a cumplicidade de agentes internos que, agora, se escondem, conscientes da sua colaboração numa crise que, enfrentada a tempo, talvez nos evitasse a obscenidade de sermos dirigidos por credores sem contemplações com um povo que soube sempre reagir às mais diversas complicações.

Como única certeza, o quadro de uma agitação que, como diz o provérbio, “em casa onde não há pão, todos ralham e, neste caso, em geral, todos têm razão”

Por Vasco Resende (escrito há um ano)

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