domingo, 29 de outubro de 2023

CITANDO MIGUEL BOIEIRO

Tipuana No dia 24 de setembro de 2023, a Sociedade Portuguesa de Naturalogia (SPN) organizou mais um dos seus passeios pedestres, o que tem sucedido regularmente há muitas décadas. Desta vez, aconteceu em Alcochete e integrou um percurso que começou no “outlet” Freeport e prosseguiu depois pelo adjacente Pinhal das Areias, Sapal das Hortas (frente à Reserva Natural do Estuário do Tejo) e parte do litoral poente na direção da vila de Alcochete. A ideia central foi a de despertar a atenção dos caminhantes para as curiosidades da natureza, a relevância histórica, paisagística e ambiental dos sítios e o usufruto que se pode colher duma flora típica predominante. Com tempo estival, a iniciativa concitou o entusiasmo de 63 participantes, desejosos de ampliar os seus conhecimentos. Não cabe no âmbito destas habituais croniquetas botânicas, pormenorizar todos os aspetos deste passeio lúdico-cultural, pelo que iremos apenas referir algumas particularidades da flora, antes de nos determos na tipuana, a qual encabeça este escrito. Como sabemos, para além do clima e das intervenções humanas, as característicos do solo determinam a existência das diversas espécies. Assim, iniciámos no Pinhal das Areias (espaço de 13 hectares, por demais arenoso e seco), a observação de xerófitas, plantas rasteiras que suportam a exiguidade aquática, os sargaços, os troviscos, as aroeiras, os adernos, os lentiscos, os pinheiros-bravos, os pinheiros-mansos, os sobreiros e alguns cedros. Como espécies exógenas provenientes de outras latitudes, vimos algumas acácias, chorões e fitolacas. Ao passarmos para a zona do sapal, ficou muito evidente a existência duma toalha freática de água-doce a competir com a água salinizada. Esta penetra nos solos pela Ribeira das Enguias e esteiros que a encaminham para as marinhas de sal, cuja atividade produtiva já se extinguiu. Torna-se deveras interessante observar o choque eivado de eletricidade e magnetismo e a correspondente troca de iões entre essas águas. Daí resulta uma vegetação, por vezes exuberante, que brota através de camadas diversas, consoante é maior ou menor a sua adaptação à salinidade. Sem nos alargarmos neste pormenor, mais suscetível de ser analisado por biólogos e cientistas de cátedra, realcemos um pouco, o que a vista desarmada logra alcançar. Primeiro, os almeirões-silvestres de florinhas azuis, as acelgas-marítimas, as espargueiras e os densos juncais, indiciadores da água doce. Depois, a proliferação gradual de halófitas: artemísia-marítima, salgadeira (Atriplex halimus), gramata-branca, salsola vermiculata, Sarcocornia perennis, Inula crithmoides, Suaeda maritima, setembrista (Aster tripolium), Limonium vulgare, salicórnia, morraça etc, etc. Diz-se que a zona que antecede o sapal, agora um atraente parque de merendas, foi outrora povoada por pinheiros mansos que posteriormente teriam sido cortados para que os seus troncos arqueados fossem utilizados na construção dos cavernames das fragatas. Hoje, são outras árvores, mormente as de crescimento rápido, que alindam o local, em especial, choupos, casuarinas e tipuanas. Aqui chegados, vamos então avançar para a descrição das especificidades da espécie exótica, a quem conferi a honra de ser a protagonista da presente croniqueta. A tipuana, cujo nome científico é Tipuana tipu, pertencente à família das Fabaceae, é uma árvore florífera de copa densa e ampla, que pode atingir algumas dezenas de metros de altura. É nativa na América do Sul, especialmente na Bolívia, Argentina e Brasil (Paraná). Possui folhas caducas compostas por folíolos sésseis, oblongos e paralelos. As abundantes inflorescências formam cachos de flores zigomórficas, hermafroditas com pétalas de amarelo dourado enrugadas. O fruto é constituído por uma vagem leguminosa indeiscente formando uma sâmara, isto é, possui uma espécie de asa que, através do vento, facilita a disseminação das sementes. O tronco é robusto com casca cinzenta e fissurada, mas de madeira frágil. As raízes são invasivas, não se recomendando as plantações em urbanizações com espaços exíguos. A tipuana é perene, de crescimento rápido e resiste à seca, à aragem salina e a algum frio. Mas, para que serve a tipuana? É agora a pergunta que se impõe! Antes de mais, é uma bela árvore ornamental com lindas flores que na época própria se desprendem e alcatifam o chão com milhares de pétalas douradas. Elas combinam maravilhosamente com as pétalas azuis do jacarandá, outra linda árvore oriunda da América do Sul. É o que soi dizer-se “ouro sobre azul”. Depois, proporciona sombras repousantes apreciadas nos dias soalheiros, devido à densidade da sua copa. Todavia, não há ainda certezas suficientes sobre os seus préstimos fitoterapêuticos, embora seja, há muito, usada como medicina popular nos países de origem. Alguns raros estudos fitoquímicos indiciam que a folhagem, rica em flavonoides, detém ação inflamatória, analgésica, laxante e antitumoral, podendo prevenir infeções. A seiva, de cor avermelhada, é cicatrizante, mas, em algumas situações, pode provocar alergias (é melhor não experimentar!). Por fim, refere-se que as flores são algo melíferas, favorecendo o desenvolvimento da apicultura. Outubro de 2023 Miguel Boieiro

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