quarta-feira, 28 de outubro de 2020

CITAÇÃO DOCUMENTAÇÃO PARA ENTENDER O DIÁLOGO NORTE - SUL

(Colaboração de Francisco Barros)"Sugiro que leia pacientemente o artigo seguinte porque contém muita informação necessária para tomada de posição no contexto actual da causa da fome e outros males no mundo". ACTAS DAS REUNIÕES DA LUTA POR UMA NOVA ORDEM MUNDIAL: A Nova Ordem Económica Internacional (NOEI) A Nova Ordem Económica Internacional (NOEI) consiste num conjunto articolado de reivindicações do Sul Global, orientadas para corrigir e atenuar as consequências de uma estruturação económica desigual, favorável às potências industriais e prejudicial aos países subdesenvolvidos. Por sua vez, o chamado dialógo Norte-Sul tem por fim a procura de um programa de acção combinado entre o Sul Global e as potências capitalistas industrializadas, para que estas aceitem a aplicação das medidas contidas na NOEI. Em torno da NOEI e do dialógo Norte-Sul giram, pois, as possibilidades de introdução de um mínimo de reformas na estrutura económica mundial injusta. Contudo, as lentas e trabalhosas negociações não deram até hoje resultados significativos. O debate sobre a NOEI começou há mais de 20 anos, e neste lapso de tempo o fosso entre países ricos e países pobres não cessou de aumentar. A proposta da NOEI foi o resultado da tomada de consciência crescente, nos países do Sul Global, do facto de o crescimento em si mesmo não garantir alcançar os objectivos fundamentais da política económica - pleno emprego, estabilidade dos preços das exportações dos países subdesenvolvidos, participação no processo de Industrialização, distribuição equitativa dos recursos e melhoramento da qualidade de vida - e de que os mecanismos do mercado "livre" não sejam eficazes para realizar uma distribuição internacional harmoniosa dos recursos. O crescimento médio da expansão das empresas transnacionais, no âmbito de uma economia de mercado, era a fórmula apresentada pelos dirigentes ocidentais para, sob sua hegemonia, integrar o Sul Global na economia mundial, fórmula essa que apenas podia agravar as disparidades entre o Norte e o Sul. O sobre a NOEI deteve-se, muitas vezes, em aspectos secundários, sem encarar as verdadeiras raízes da ordem actual. Assim, frequentemente a atenção centrou-se na desigualdade dos mecanismos comerciais e financeiros, certamente injustos, mas que em última instância dependem da estrutura económica actual. Por outro palavras, o nó do problema nas relações entre o Sul Global e os países industrializados é saber quem controla os recursos, a tecnologia, os factores e os processos de produção e comercialuzação. Este conjunto vai desde países que abraçaram o Socialismo até monarquias de tipo feudal. O que se conseguiu até agora foi um meio-termo, a identificação de alguns problemas comuns em relação à presença e à expansão das potências industriais. Face à impossibilidade de levar avante nas assembleias internacionais (principalmente nas Nações Unidas e agências especializadas, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial) um dialógo proveitoso sobre as suas necessidades prementes, os países do Sul estabeleceram as suas próprias Conferências e Organizações para discutir os seus problemas e necessidades. Eis aqui a cronologia das etapas e dos momentos de maior relevo na procura da Noei: Bandung, 1955: Nesta cidade da Indonésia reuniram-se, pela primeira vez, os representantes de uma parte do Sul Global que tinham tomado consciência da sua identidade e dos seus problemas, com a presença de 29 países da África e da Ásia. A Conferência foi dominada pelos temas políticos da descolonização e da guerra fria, mas já se distinguia a preocupação económica para afirmar "uma acção colectiva para a estabilização dos e da procura de matérias-primas ". Além disso, propôs-se a criação de uma Comissão da ONU para o desenvolvimento económico. Foi o antecedente imediato da criação do Movimento dos Não-Alinhados. Belgrado, 1961: Na primeira Conferência dos Países Não-Alinhados, 25 países do Sul Global colocaram reivindicações económicas concretas. À medida que se juntaram outros países, o poder de negociação aumentou e o novo bloco começou a reclamar reformas económicas, sublinhando que a reestruturação da ordem internacional deveria ser "total". Grupo dos 77: Nasceu em 1972, quando 77 países do Sul Global conseguiram uma importante Vitória na Assembleia Geral das Nações Unidas, ao aprovarem, apesar da oposição dos principais países industrializados, a convocação de uma Conferência sobre o comércio e o desenvolvimento (UNCTAD, na sigla inglesa). Como a UNCTAD se converteu em órgão permanente da Assembleia Geral das Nações Unidas, também o Grupo dos 77 o fez e conservou essa denominação apesar de ter aumentado o número dos seus membros (que era 125 em 1983). Entre 1963 e 1983, os 77 realizaram seis grandes reuniões para elaborar as propostas que o Sul Global apresentaria nas sucesdivas conferências da UNCTAD. Tais conferências serviram de ligação no debate sobre a NOEI, mas as suas múltiplas resoluções poucas vezes passaram à prática. UNCTAD I, Genebra, 1964 Procurando melhorar a sua posição comercial, os países do Sul estabeleceram o lema "comércio, não ajuda" para contrabalançar a posição dos países industrialuzados. Estes sustentavam que a solução para preencher a lacuna existente entre as receitas para as exportações e as suas necessidades por via das importações, deveria consistir num aumento dos empréstimos públicos e privados por parte do Norte. UNCTAD II, Nova Deli, 1968 O Sul Global assinalou que os países industrializados nunca cumpriram as suas promessas de ajuda. Chegou-se a um acordo sobre o estabelecimento de um sistema geral de preferências para as exportações do Sul Global, mas não houve concenso acerca de quem dariaesse tratamento preferencial às exportações, quando e em que medida. Os países industrializados rejeitaram a proposta de um acordo geral sobre as matérias-primas, insistindo em negociar produto por produto. Negaram-se também a contribuir financeiramente para a criação de reservas de matérias-primas, que evitariam grandes flutuações dos preços. UNCTAD III, Santiago do Chile, 1972 Nesta Conferência, o Sul Global apresentou um programa amplo, que reclamava: a) Substituir uma ordem económica e comercial obsoleta e essencialmente injusta por outra mais equitativa; b) Reformar a divisão internacional de trabalho entre produtores de matérias-primas (do Sul) e produtores de bens industrializados (do Norte), um esquema que apenas favorece os países industrializados e impede o processo do Sul Global; c) Promover reformas internas nos países do Sul Global, onde os grupos dirigentes prosperam graças à convivência com as causas do subdesenvolvimento; d) Fiscalizar as actividades das transnacionais no Sul. Os países industrializados fugiram à discussão de assuntos financeiros com o Sul Global. Ignoraram o pedido de destinar uma proporção maior dos Direitos Especiais de Saque (DES) ao financiamento do desenvolvimento e somente 4% dessas reservas internationais, então recentemente criadas, foram destinadas aos países subdesenvolvidos. Opuseram-se energicamente a qualquer programa sobre as matérias-primas, negaram-se a conceder preferências às exportações de manufacturas do Sul Global e, pelo contrário, reclamaram mercados livres e fim das restrições ao movimento de capitais como medidas para fomentar a expansão do comércio internacional. 1973, ano crítico Em 1973, registou-se uma inovação no âmbito das relações mundiais de poder. As associações de produtores de matérias-primas, criadas anos antes, começaram a alcançar maior autonomia económica e política nos centros da economia mundial na sua luta para defender os preços dos seus produtos. Importantes filiais de transnacionais foram nacionalizadas no Sul Global, como as minas de cobre de Anaconda e Kennecott, no Chile, e o petróleo na Líbia. Ao mesmo tempo, os países subdesenvolvidos consolidaram uma ampla maioria de votos na Assembleia Geral da ONU. Três factores se combinaram, nesse ano, para romper a resistência dos países industrializados em discutir acerca da ordem económica internacional: 1) A alta do preço do petróleo, que aumentou 400% depois de ter estado durante duas décadas subvalorizado; 2) A crise do dólar, que abalou a hegemonia da divisa norte-americana; 3) O reconhecimento, por parte dos países industrializados, da existência de uma crise alimentar devida à escassez mundial de fertilizantes, aos primeiros sintomas de fracasso da chamada "Revolução Verde" e a fome maciça no Sahel africano. Em conjunto, essas questões deram um clima de urgência aos temas colocados pelo Sul Global e as suas reivindicações começaram a ser consideradas nas assembleias internacionais. A estratégia do Norte mudou então e foi dirigida para dividir o Sul Global, isolando a OPEP - que era vista pelo resto dos países como um modelo de associação de produtores - e opondo os países mais pobres aos relativamente mais ricos. O Programa de Acção dos 77 Em 1974, por ocasião da Vl Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU, o Grupo dos 77 conseguiu a aprovação da declaração e do programa de acção sobre o estabelecimento de uma Nova Ordem Económica Internacional. Os Estados membros da ONU comprometeram-se, então, solenemente, a trabalhar com urgência para o estabelecimento de uma NOEI "baseada na equidade, na igualdade soberana, na interdependência, no interesse comum e na cooperação de todos os Estados, quaisquer que sejam os seus sistemas económicos e sociais, que permitam corrigir as desigualdades entre os países desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento e garantir às gerações actuais e futuras um descontentamento económico e social crescente, em paz e justiça". Este foi um momento de grande importância, pois as reivindicações contidas no programa de acção resumiam as exigências e as discrepâncias mais relevantes nas relações Norte-Sul. Os pontos centrais contidos no programa são os seguintes: 1) Controlo dos recursos naturais; 2) Preços justos e remunerativos para as matérias-primas; 3) Industrialização e acesso aos mercados dos países desenvolvidos; 4) Financiamento do desenvolvimento; 5) Reforma do sistema monetário internacional; 6) Regulação das actividades das transnacionais; 7) Fortalecimento da capacidade científica e tecnológica dos países em desenvolvimento; 8) Promoção da cooperação entre os países em desenvolvimento; 9) Fortalecimento do papel dos países em desenvolvimento no processo de decisões a nível internacional. Saliente-se que as resoluções foram aprovadas com importantes reservas das nações industrializadas. Poucos meses depois, a Assembleia Geral da ONU promulgou a Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, promovida pelo México. A Carta reafirma os princípios do programa e obriga-se a estabelecer "normas obrigatórias que regem de forma sistemática e universal as relações económicas" e a promover uma NOEI. Nela está enunciado o direito soberano e inalienável de qualquer Estado a escolher o seu sistema económico sem ingerência, coação ou ameaça externa. No exercício da soberania sobre "toda a sua riqueza, recursos naturais e actividades económicas", qualquer Estado tem o direito de regulamentar e exercer a sua autoridade sobre as actividades estrangeiras e supervisionar as actividades das transnacionais que operam na sua jurisdição. Afirma-se que "nenhum Estado deverá ser obrigado a outorgar um tratamento especial à colocação de capitais estrangeiros" e reconhece-se o direito dos Estados de nacionalizar, expropriar e transferir a propriedade de bens estrangeiros. A Carta suscitou uma forte oposição dos países industrializados e, embora se aprovassem resoluções concretas sobre assuntos importantes - redução de barreiras à importação de manufacturas procedentes do Sul Global, estabilização dos preços das matérias-primas, maior controlo dos receptores sobre o processo de transferência de tecnologia e alívio da dívida externa - não se chegou a acordo algum para pôr em prática essas resoluções. Dacar e Lima, 1975 Em Fevereiro Fevereiro de 1975, os países Não-Alinhados realizaram uma reunião Extraordinária em Dacar, Senegal, onde foi reafirmada a importância da NOEI. Depois de analisarem as causas estruturais da desigualdade económica mundial, propuseram: a) A formação de um fundo de solidariedade para apoiar as associações de produtores de matérias-primas, no estilo da OPEP; b) A moratória da dívida externa; c) Passos práticos para fortalecer a cooperação económica entre eles, baseando a acção comum no princípio de contar com os seus próprios recursos e forças. Os principais pontos da Declaração de Dacar foram englonados na resolução final da ll Conferência Geral da ONUD ( Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), realizada em Lima, em Março de 1975, onde foi fixado como meta obter 25% de participação do Sul Global nas exportações mundiais de produtos manufacturados no ano 2000. Os políticos norte-americanos ainda discutiam sobre a inevitabilidade ou não de um "dialógo" com os produtores de petróleo, quando nesse mesmo ano, a Comunidade Económica Europeia tomou a iniciativa de firmar em Lomé, Togo, um amplo acordo sobre matérias-primas com as ex-colónias europeias da África, das Caraíbas e Pacífico (ACP). Este convénio, até agora a primeira e única mudança profunda no comércio internacional, inclui: a) O sistema STABEX, que procura estabilizar os predas matérias-primas, garantindo empréstimos aos exportadores quando a sua receita baixa 7,5% (ou 2,5% para os 20 países mais pobres); b) Reduções unilaterais nas barreiras alfandegátias da CEE para as exportações de manufacturas procedentes de paíse s do ACP; c) Maiores possibilidades de cooperação o desenvolvimento. Mudançs de Tática Sem nenhuma modificação substancial na sua recusa em introduzir reformas fundamentais na actual ordem económica, os Estados Unidos iniciaram na Vll Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, em 1976, uma nova tática. Em vez de recusarem somplesmente as propostas do Sul Global, começaram a apresentar contrapropostas com o objetivo de salvaguardar as aparências e, sobretudo, de assegurar o fluxo de matérias-primas. Ao estimular as divisões dentro do Grupo dos 77, Henry Kissinger conseguiu, como era seu objetivo, "negociação sem confronto". Abandonando a sua ameaça de declarar uma moratória unilateral da dívida externa e formar mais associações de produtores e exportadores, seguindo o exemplo da OPEP, o Sul Global, por seu lado, parecia renunciar à sua política de negociar a partir de posições de força. Contra o argumento dos 77 de que a internacionalização crescente de capitais não fora acompanhada de uma maior capacidade dos Estados para controlar, focando então livres as transnacionais para aumentar os seus lucros à custa do desenvolvimento do Sul Global, Kissinger apresentou uma "nova" ideia: não seria necessário que as transnacionais se abrissem a investigações nem se sujeitassem a novos estatutos; segundo a resolução proposta pelos Estados Unidos, só lhes seria exigido que cumprissem as leis vigentes nos países onde actuam. O Dialógo Norte-Sul Argumentando que o dialógo no seio das Nações Unidas estava bloqueado, os países industrializados propuseram a realização de uma Conferência sobre Cooperação Económica Internacional, em Paris. O que esperavam desta Assembleia, mais conhecida como o dialógo Norte-Sul, era que a redução para 19 do número de representantes do Sul Global facilitasse um "acordo". Na primeira parte da Conferência, que se iniciou em Outubro de 1975, os países da OPEP rejeitaram as pressões norte-americanas para restringir o debate do tema energético, insistindo, por outro lado, em que se discutissem "todas" as matérias-primas. No segundo encontro, em Maio de 1977, os países industrializados aceitaram discutir, além de energia, os assuntos relacionados com as matérias-primas, o desenvolvimento económico e assuntos financeiros. No entanto, o Sul Global não depositou muita confiança nesse foro. A maioria dos países não estava representada e temia-se, portanto, que os seus interesses básicos fossem ignorados. No dialógo participaram (do lado do Sul Global) sete países da OPEP e duas ou três nações mais poderosas de cada Continente. O tema do petróleo foi separado da Comissão que discutia com o resto das matérias-primas e, à espera de que chegasse a algum resultado, esteve ausente das deluberações da UNCTAD IV. UNCTAD IV, Nairóbi, 1976 Realizada entre a primeira e a segunda assembeias "do dialógo Norte-Sul", a Conferência caracterizou-se pelo enfraquecimento da unidade do Sul Global e, ao mesmo tempo, pelo aparecimento de posições divergentes no bloco dos países capitalistas industrializados. Os 77 insistiram no tema das matérias-primas, propondo o estabelecimento de um Fundo Comum de seis biliões de dólares para a criação de reservas que regulassem os preços de 17 produtos minerais e agrículas chaves (ideia que apareceu, pela primeira vez, na Conferência dos Ministros das Relações Exteriores em Lima, em 1975, e foi retirada pela quinta reunião de cúpula do Movimento dos Países Não-Alinhados realizada em Colombo, Sri Lanka, em 1976). Os Estados Unidos contestaram a proposta, sugerindo a criação de um Banco Internacional de Recursos, que estimularia o investimento das transnacionais na exploração das matérias-primas do Sul Global. A proposta foi derrotada, mas serviu para distrair a atenção do Fundo Comum. Este último, foi finalmente estabelecido, face à insistência dos Países do Sul Global, mas dos seis biliões de dólares necessários só se conseguiu 156 milhões na conferência. O Grupo dos 77 sugeriu, além disso, a realização de uma consciência especial entre devedores e credores para negociar uma moratória (ou cancelamento) da dívida externa daqueles países, à beira da bancarrota, até 1980. Os países industrializados negaram-se a aceitá-la, no que foram apoiados por alguns dos países mais poderosos do Sul Global, que temiam uma redução dos seus próprios créditos se a ideia se impusesse. A Comissão Willy Brandt Em 1978, ante o previsível fracasso do diálogo Norte-Sul, Robert McNamara, presidente do Banco Mundial, tentou outra fórmula para discutir a NOEI fora do âmbito das Nações Unidas. Aceitando a sua sugestão, foi criada a Comissão Independente sobre Temas do Desenvolvimento Internacional (também chamada Comissão Willy Brandt, em função do nome do seu presidente, o ex-chanceler alemão ocidental e presidente da Internacional Socialista), para estudar os pontos sobre os quais se havia chegado a acordo no diálogo de París. Da parte do Grupo dos 77 a reação ao documento foi cautelosa e bastante crítica, embora se reconhecesse nele algum mérito, e particularmente em Willy Brandt, uma atitude bem intencionada no equacionamento dos problemas pendentes entre o Norte e o Sul. Por que não progride a NOEI? A falta de acordo entre os países do Sul Global e os países capitalistas industrializados, quanto às questões-chaves da NOEI, resulta, na sua essência, dos interesses diferentes que tem cada bloco. Enquanto o Sul Global reclama um modificação profunda no sistema que produziu a actual ordem económica, os países industrializados querem preservá-la, pois esse sistema benefícia-os. E, se as circunstâncias os forçam a fazer concessões, reclamam em troca vantagens a longo prazo: garantias de acesso às fontes de matérias-primas ou segurança para as "suas" transnacionais, que possam protegê-las de eventuais nacionalizações ou confiscos futuros. Revisões di Sul Global Como resultado das múltiplas diferenças económicas e políticas entre os países do Sul Global, também há divisões internas no Grupo dos 77. Este tem subgrupos com diferentes pontos de vista, como, por exemplo, os produtores e os importadores de petróleo, os mais e os menos industrializados, os que seguem um modelo capitalista de desenvolvimento e os que procuram alternativas autónomas. A unidade, então, não se baseia numa ideologia económica e política, mas no nacionalismo e na oposição à actual ordem mundial. Existem, além disso, regimes dominados por elites mais leais aos interesses dos grandes centros da economia mundial que aos dos seus povos. Essa heterogeneidade debilita a posição negociadora do Grupo dos 77, abrindo brechas às manobras divisionistas dos países capitalistas industrializados. Divisão no Bloco Socialista Nas relações económicas com o Sul Global, os países socialistas têm um papel secundário e não são capazes, por exemplo, de oferecer um mercado alternativo para o grosso das exportações dos países periféricos. Além disso, as notórias divisões internas (das quais a mais evidente é o conflito entre a China e a União Soviética) enfraqueceram a sua capacidade negociadora e a do Sul Global no debate por uma Nova Ordem Económica Internacional. Reunião em Arusha, 1979 Com estes antecedentes sombrios realizou-se, em Fevereiro de 1979, uma nova reunião do Grupo dos 77, em Arusha, Tanzania, para a preparação da V Conferência da UNCTAD. Este organismo havia já demonstrado a sua incapacidade de conseguir decisões práticas; ss declarações da Assembleia Geral das Nações Unidas permaneceram letra morta, já que, para implementá-las, era necessário a aprovação dos países industrializados, que têm, além disso, poder de veto no Conselho de Segurança. As instâncias alternativas, criadas para desbloquear o debate, prolongavam-se indefinidamente; as conversações de Março de 1977 sobre o Fundo Comum fracassaram; as "minicineiras" cada vez mais frequentes, dos mandatários dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa Ocidental não revelavam nenhum empenho em atender aos interesses do Sul Global. Em Arusha, grande parte do debate centrou-se então na estratégia a seguir. Perante o falso dilema de "dialógo ou confrontação" o presidente Nyerere propôs uma estratégia de fortalecimento da posição negociadora do Sul Global. E, mais uma vez, se formulou um programa de reivindicações. Código e Conduta O Grupo dos 77 insistiu na sua proposta de estabelecer um código de conduta internacional que regulasse a transferência de tecnologia e o comportamento das transnacionais à escala nacional, regional e mundial. O código incluiria: a) livre acesso à tecnologia, sem restrições ao seu uso, considerando-a útil para o desenvolvimento e um património comum da humanidade, independente de quem a tenha desenvolvido; b) modificar a estrutura monopolista de fixação de preços; c) limitar o controlo estrangeiro sobre os recursos naturais de um país; d) responsabilizar as transnacionais cujos investimentos ou transferências de tecnologia não apropriados ocasionem prejuízos económicos ou culturais. A UNCTAD e o ECOSOC (Conselho Económico e Social da ONU), por outro lado, também estudam o assunto. Todos esses projetos têm conceitos comuns: respeito à soberania nacional, observância das leis de cada país, subordinação das transnacionais sos objetivos económicos da nação em que actuam, não interferência em assuntos internos nem em relações intergovernamentais, renegociabilidade dos contratos, possibilidade de nacionalização e formas de determinar as respectivas compensações, regulamentação da repatriação de capitais, limites à informação que a transnacional pode manter em segredo, etc. Com isto punha-se em causa a propriedade provada da tecnologia - um ponto inaceitável para o sistema capitalista - e esperava-se aliviar a balança de pagamentos dos Países do Sul Global (no qual pesam consideravelmente as remessas destinadas a pagar royalties pela tecnologia utilizada). No entanto, por si só, isto não tornaria o Sul Global independente da tecnologia das transnacionais nem de outras repercussões negativas da sua atuação. Matérias-primas O Grupo dos 77 procura regulamentar o comércio das matérias-primas e produtos básicos de maneira a evitar ad flutuações excessivas dos preços e possibilitar uma melhoria do poder de compra real do Sul Global. Os países industrializados aprovaram finalmente, o conceito de Fundo Comum, no âmbito de um Programa Integrado de Matérias-Primas. Os 77 sustentam que a principal função do Fundo Comum deve ser o estabelecimento de stocks reguladores, e que este deve contar com capitais próprios para cumprir a tarefa. Em contrapartida, os Estados Unidos e a maioria dos países capitalistas industrializados defendem a posição de que o Fundo deve mobilizar créditos provenientes dr acordos particulares que sejam estabelecidos para cada matéria-prima, o que, naturalmente, debilitaria as suas funções centralizadoras. Outros pontos de desacordo giram em torno de quem controlará o Fundo e para quem e para quê serão destinados os créditos. No entanto, como assinalam os 77, o principal obstáculo para a sua implantação não é técnico, mas sim político: em contradição com o prometido, muitos países industrializados negaram-se a todo e qualquer acordo prático. Manufacturas O Grupo dos 77 propõe mediadas que incrementem e diversifiquem as exportações do Sul Global de artigos manufacturados. E os mesmos países industrializados que sistematicamente defenderam "o livre jogo de mercado", quando décadas atrás inundaram os países da periferia com as suas mercadorias, estabelecem agora barreiras aduaneiras e de outros tipos, para impedir que os produtos do Sul Global possam competir nos seus países, com os de fabrico local. Este protecionismo é maior, precisamente, nos sectores onde é maior a capacidade de exportação do Sul Global: têxteis, artigos eletrónicos, calçado. O problema é complexo. Muitos dos sectores exportadores mais dinâmicos dos países do Sul Global estão controlados pelas transnacionais e estas têm interesse na liberalização. Mas, por outro lado, cada vez que uma fábrica transnacional emigra para o Sul Global em busca de maiores lucros, os trabalhadores dos países industrializados perderam oportunidades de emprego. E a situação agrava-se quando os produtos locais sofrem a concorrência de importações mais baratas. Os trabalhadores constituem assim, um forte grupo de pressão a favor do protecionismo. A lógica do capitalismo leva, então, a que um aumento das exportações manufacturadas do Sul Global prejudique os interesses dos países industrializados. E contra isto pouco valem as reivindicações de reforma. Abre-se, então, caminho à ideia de que os países do Sul Global devem incrementar o comércio entre eles, dando preferência a instituições da periferia quando elas podem competir com a dos países industrializados. Mas, mesmo conseguindo isto e, inclusive, supondo uma redução, pelo menos gradual, das barreiras aduaneiras, uma boa parte dos esforços industrializadores em andamento no Sul Global continuarão a não ajudar os mais desfavorecidos: a maior parte dos novos rendimentos provenientes das exportações irá para as classes já privilegiada. UNCTAD V, 1979 Em Meio e Junho de 1979, a UNCTAD reuniu-se em Manila, Filipinas, pela quinta vez. A posição do chamado grupo B (países capitalistas industrializados) foi mais intransigente do que se esperava e a reunião terminou numa "grande recepção". Não houve acordo em relação ao Código de Conduta para as transnacionais, cuja discussão foi mais uma vez adiada, nem tão-pouco sobre a introdução de modificações no comércio mundial. O Grupo B insistiu em tratar o tema energia, tendo os 77 respondido que não era aquele o local adequado. Sobre o Sistema Generalizado de Preferências, destinado a aumentar as exportações de manufaturas do Sul Global, os industrializados negaram-se a estabelecer um limite legal. O tema passou, então, ao secretariado da UNCTAD para "estudos posteriores". O Programa Integrado de Produtos - que incluí o Fundo Comum e negociações em separado para cada uma das matérias-primas - foi aprovado, com reservas, por parte dos países capitalistas industrializados, e sem inclusão do sistema de compensação, proposto pelos 77, para casos de queda do preço de alguns produtos. No que diz respeito ao protecionismo, só se resolveu aprovar um apelo - sem efeitos práticos - para que as tarifas se reduzam. O único "aspecto positivo", foi a aprovação de uma resolução sobre a compensação económica entre países em desenvolvimento, que torna mais precisos os contornos sobre os quais se pode basear a chamada "autonomia coletiva" do Sul Global, e exorta os países desenvolvidos a "continuar a intensificar as suas contribuições" para a completa execução dos programas da ONU. A Conferência de Cancún, 1981 Após a Conferência de País, encerrada em 1972, não houve nenhuma tentativa de tratar ad relações Norte-Sul à escala global e ao mais alto nível até à Conferência de Cancún, México (24 e 25 de Outubro de 1981). No intervalo, tinham fracassado todas as discussões setoriais entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, quer se tratasse de ciência e tecnologia, de agricultura, de energia, etc. Entretanto a situação mundial deteriorava-as como consequência do ciclo recessivo sofrido pela economia capitalista Central. Como agravante, entrava em cena Ronald Reagan, na qualidade de Presidente dos Estados Unidos, que ao mesmo tempo que defendia uma linha dura face às organizações da ONU, onde as potências ocidentais estavam em minoria em relação ao Sul Global, anunciava cortes em matérias de cooperação e de fundos para a ONU. A Conferência sobre a Cooperação e Desenvolvimento de Cancún foi uma louvável intenção de tirar do esquecimento o diálogo Norte-Sul, reunindo presidentes e chefes de governo que representavam as diferentes áreas do Sul Global, um grupo de potências ocidentais e o Japão. Nessa reunião de cúpula procurou-se uma síntese das negociações que, sem êxito, se tinham desenrolado nos diferentes organismos das Nações Unidas. A posição do Grupo dos 77 consistia em sustentar que o caminho apropriado para sair do impasse seria, em primeiro lugar, a realização de negociações globais para definir as metas e as jurisdições de que seriam encarregados, com um mandato definitivo, cada um dos organismos e programas da ONU. Para isso, as nações do Sul Global solicitavam que o âmbito da discussão fosse a Assembleia Geral das Nações Unidas, por ser a única sede de representação geral. Por sua vez, os Estados Unidos e algumas potências do Norte não estavam dispostos a ceder neste ponto, defendendo que os âmbitos da discussão deveriam ser o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Não se tratava de uma discussão acadêmica e formal, porque enquanto a Assembleia Geral se rege pelo princípio de um voto por cada Estado, no FMI e no Banco Mundial os votos são proporcionais aos fundos fornecidos pelos países e ambas as instituições estão, por isso, controlados de facto pelos Estados Unidos. Ceder neste ponto significaria que as negociações sectoriais posteriores se imporiam os pontos de vista de Washington. Por exemplo, a filosofia do Banco Mundial - acentuada sob a presidência de Reagan - privilegia um tipo de desenvolvimento com base nas empresas privadas e favorece as transnacionais, tal como a concessão de créditos através do FMI significa a aceitação, por parte dos países receptores, de condições no âmbito de uma óptica capitalista ortodoxa. Os debates giraram em torno desse ponto capital. Deve-se mencionar que uma parte dos países desenvolvidos aceitava o ponto de vista do Sul Global e que uma negativa categórica de Reagan tê-lo-ia isolado da maioria. Chegou-se, assim, a uma fórmula ambígua, incluindo uma aparente concessão do presidente norte-americano. Reagan aceitou que as discussões prosseguissem na Assembleia Geral, mas a esta não se outorgou qualquer mandato, salvo a procura de uma fórmula aceitável para todos. No encerramento da Conferência de Cancún, muitos hesitaram em considerá-la um fracasso ou um êxito parcial, porque nas conversações informais Reagan tinha deixado entrever uma flexibilidade que deveria facilitar um rápido acordo na ONU. Não aconteceu assim, e, apesar dos bons ofícios do anfitrião mexicano, José López Portillo, e de outros estadistas, Cancún resultaria de facto numa nova frustração para o Sul Global devido à intransigência de um grupo de potências capitalustas encabeçadas pelos Estados Unidos. Com efeito, depois de numerosas discussões, 1982 chegou ao fim e na Assembleia Geral da ONU não se avançava um só passo. A UNCTAD VI, Belgrado, 1983 De 6 de Junho a 3 de Julho de 1983, realizou-se em Belgrado, Jugoslávia, a sexta reunião da UNCTAD. Estiveram presentes mais de três mil delegados 166 países membros e de 82 organismos internacionais. A reunião foi aberta pelo presidente da Jugoslávia, Mika Spiljak, que advertiu sobre a possibilidade de uma "catástrofe global" se o mundo continuar a gastar menos em ajuda e mais em armamentos (cerca de 600 bilhões de dólares, o equivalente à dívida do Sul Global em 1982)...

sexta-feira, 16 de outubro de 2020