segunda-feira, 30 de outubro de 2023

CITANDO MIGUEL GRANJA

Autor convidado da Oficina da Liberdade A superioridade moral da Direita moderada A direita moderada é ideal para passeios de barco a remos em soalheiros lagos de Domingo. Não é com tais navegadores que se vencem Bojadores e Adamastores. Ao contrário do que, à direita, é costume proclamar-se não sem a inconfundível vaidade que sempre acompanha a modéstia de contrafacção, a distinção fundamental entre a esquerda e a direita, presentes ou pretéritas, não reside no facto de a esquerda se situar num plano de superioridade moral que – de acordo com a fórmula canónica de que os fins mais dignos justificam os meios mais sinistros – consente e legitima os abusos mais flagrantes, vício constitutivo a que a direita, nos alienados solilóquios que, diante do espelho, devota à açucarada descrição de si mesma, está ou estaria orgulhosamente imune. É inegável que a esquerda padece da superioridade moral acima diagnosticada. Do carinho por purgas russas, valas ucranianas e fomes chinesas à sabujice devotada a tiranos venezuelanos, assassinos bascos, foragidos catalães e descondenados brasileiros; dos amanhãs cujas canções foram cantadas para uma terra sem amos mas escutadas por reféns na Lubianka e escravos no Gulag aos democratas sazonais que chamam “cerca sanitária” à sua repulsa pelo pluralismo democrático e “chão democrático comum” à degradação das instituições democráticas em nome da protecção das instituições democráticas, a esquerda nunca escondeu, ou sequer lamentou, totalmente que sempre viu o complexo de reservas e ressalvas, minúcias e crivos, partições e travancas, freios e contrapesos próprios das democracias liberais como, na verdade, um exército hostil a abater: um derradeiro estorvo institucional e uma longa trégua histórica, ambos a serem pacientemente instrumentalizados e finalmente removidos assim que a oportunidade, institucional e histórica, se proporcione. Confessando isto mesmo, Trotsky, que nunca teve qualquer vergonha em justificar misérias presentes em nome de bonanças futuras e em inferir que renunciar ao terrorismo é renunciar à ditadura revolucionária e, portanto, ao próprio socialismo, advogou, por exemplo em Terrorismo e Comunismo (1920), a entrada instrumental dos comunistas nos parlamentos “burgueses”, de modo, justamente, a instrumentalizá-los e sabotá-los até ao esvaziamento: “O nosso partido nunca se recusou a conduzir o proletariado à ditadura passando pela democracia; ele deu-se perfeitamente conta das vantagens abertas à propaganda e à acção política por uma tal transição “legalizada” para a nova ordem”. E não adianta protestar, a pretexto de cautelas contra alegações abusivamente redutoras, que a esquerda não é apenas Trotsky e que os anos 20 do século XX não são os anos 20 do século XXI. Todo o esquerdismo é uma forma, mais ou menos confessada, de trotskysmo: a única questão é determinar, em cada momento histórico, quão próxima se encontra a picareta e em qual das duas pontas da picareta se encontra Trostky. A picareta enterrada na cabeça de um traidor não é, pois, uma adulteração, um desvio, um acidente da superioridade moral da esquerda: é a expressão lógica da sua essência mesma. Tudo isso é, pois, verdade. O que não é verdade é que a direita esteja, como julga estar, imune aos feitiços das sirenas da superioridade moral. Os típicos refrões “nós não somos como eles”, “nós não descemos ao nível deles”, “o que nos distingue deles é que nós não estamos dispostos a tudo pelo poder”, “para nós, ao contrário deles, não vale tudo em política”, parecem, de facto, entoar o mantra da renúncia, de princípio, a toda e qualquer forma de superioridade moral por parte da direita (e quanto mais moderada se afirmar, mais renunciante, e mântrica, a afirmação). E é aqui, justamente, que reside o equívoco. A direita moderada não é, como pretende, imune ou avessa à superioridade moral, ela tem é uma concepção distinta, e mais cínica, da superioridade moral. A própria moderação como adjectivo acoplado à direita (a “direita moderada”), na medida em que pretende classificar a qualidade específica dessa direita e, assim, modificar-lhe o sentido por via da sua elevação à estatura teológica de virtude cardinal, é, na verdade, a mais categórica afirmação de superioridade moral: é a superioridade moral que se afirma na própria negação de superioridade: é a superioridade que – e qua – se nega como superior. A negação moralista de superioridade moral é talvez a forma mais velhaca, e consumada, de afirmação de superioridade moral: afirmar que toda a superioridade moral é negativa é ainda um modo de afirmar uma determinada forma de superioridade moral: nós somos moralmente superiores justamente porque não nos consideramos, como os outros, moralmente superiores. Nós não somos como os que se afirmam moralmente superiores – e reside aí mesmo toda a nossa superioridade moral. Nós, que renunciamos à superioridade moral, somos moralmente superiores àqueles que se afirmam moralmente superiores. Somos, enfim, moralmente superiores a toda a superioridade moral. Não se trata, pois, de uma distinção entre uma esquerda que afirmaria, a galope das suas pulsões utópicas, a sua superioridade moral e uma direita que, precavida pelo seu pessimismo antropológico, se afirmaria pela sua negação. Trata-se, isso sim, de duas concepções de superioridade moral que, embora distintas, favorecem a deterioração das regras democráticas e a compressão do pluralismo que essas regras visam promover e salvaguardar. Ambos os tipos de superioridade moral resultam, pois, na degradação das regras democráticas: a de esquerda, por manipulação; a de direita, por inaplicabilidade; a de esquerda, manipulando as regras democráticas; a de direita, tornando-as inoperantes. A superioridade moral da esquerda, por invasão, torna as regras democráticas inválidas, a superioridade moral da direita, por evasão, torna-as vazias. Se a esquerda não tem regras, a direita tem regras inexistentes. A superioridade moral de esquerda convive bem com demónios, a superioridade moral de direita só convive com anjos. As democracias modernas, feitas por e para humanos, oscilam cada vez mais nesta falha tectónica que se desloca entre a democracia sem regras democráticas da esquerda e as regras democráticas sem democracia da direita. São, pois, duas concepções de superioridade moral em oposição, e não uma concepção de superioridade moral (de esquerda) à qual se oporia uma concepção isenta de superioridade moral (de direita). A superioridade moral de esquerda assenta numa concepção optimista segundo a qual a esquerda, apesar de toda a miséria imposta e de todo o sangue vertido, não tem passado nem antepassados: a esquerda é sempre e toda futuro e amanhã, concebida sem pecado. Todas as manhãs, lá nasce ela de novo, inteira e virgem, milagre auto e partenogenético, rasgando, ao soco e à patada, a sua própria bolsa amniótica. A superioridade moral de direita, inversamente, assenta numa concepção pessimista que atribui à direita apenas passado e ascendência: todo o futuro é, na hipótese benigna, impossível de concretizar ou, na hipótese maligna, de concretização monstruosa, pelo que, para seu próprio bem, a descendência deve limitar-se a ser a respeitadora e replicadora, genética e civilizacional, da ascendência; as gerações vivas e por vir, proscritas do direito de sonhar e criar, devem ser apenas os dóceis donatários dos sonhos e criações das gerações mortas. A esquerda vê nos vivos apenas o refugo metálico do qual será extraído, malhando furiosamente a bigorna da História, o novo e final Adão. A direita vê nos vivos as criaturas perpetuamente gratas e penhoradas dos enterrados, dos cremados e dos embalsamados. A esquerda pertence assim aos adventos, aos partos, às auroras – numa palavra, à luz –, enquanto a direita pertence aos pretéritos, aos sepulcros, aos ocasos – ou seja, à sombra. Enquanto a esquerda lança asas e amplexos nos céus limpos e longínquos do olho oracular do porvir que tudo permite, a direita enterra raízes e vénias nos solos atolados e imemoriais da noite cega do tempo que tudo interdita. De um lado, o homem por parir. Do outro, o homem defunto. Entre a fecundação de um e a decomposição do outro, o homem vivo e vivente, esquecido pelas odes que celebram a vinda do primeiro e os requiems que evocam a partida do segundo. Destas duas concepções de superioridade moral, uma luminosa que aponta para cima e para a frente, e outra sombria que aponta para baixo e para trás, decorrem também diferentes implicações no campo da disputa política. As interpretações dos resultados das recentes eleições gerais espanholas (23 de Julho de 2023), em que a esquerda vê na sua derrota uma vitória necessária enquanto a direita vê na sua vitória uma derrota merecida, fornecem a aplicação empírica desta distinção entre as duas superioridades morais e, em particular, a demonstração da concepção de superioridade moral típica da direita moderada (sobretudo, para o que aqui nos interessa, portuguesa) para quem a vitória-derrota da direita espanhola é tanto mais fácil de explicar quanto mais contraditória for a explicação: até às eleições, a direita moderada alertava para um eleitorado subitamente seduzido pela extrema-direita – e daí a grande fragilidade da democracia; após os resultados, a mesma direita moderada sempre soube que o eleitorado jamais se deixaria seduzir pela extrema-direita – e daí a grande lição democrática. A direita espanhola, perdendo a eleição que venceu, foi assim merecidamente penalizada por se ter aproximado demasiadamente da extrema-direita da qual não fez outra coisa senão afastar-se. Logo que colocada diante da necessidade de escolher, no mundo real das aritméticas e dos compromissos, das barganhas e dos escambos (“There are no solutions; there are only trade-offs”, como insiste Thomas Sowell) que manifestam a essência mesma da antropologia pessimista e da política não utópica que, nas televisões e nos jornais, jura defender e representar, a direita moderada não teve dúvidas em proclamar a “nuestros hermanos”, não sem a devida e telegénica encenação de gravitas e gravatas, a sua firme preferência – em nome da moderação enquanto única forma de proteger a democracia das derivas extremistas que, asseguram, a ameaçam hoje mais que nunca – por uma frankensteiniana fraternidade de incompetentes, imprestáveis, fanáticos e, sem espanto, assassinos condenados que representam justamente a visão puritana e utópica que constitui a própria essência de tudo aquilo que, nas mesmas televisões e nos mesmos jornais, a direita moderada jura reprovar e combater. No fundo, aquilo a que se convencionou chamar de direita moderada não é hoje outra coisa senão o ponto do espectro político onde escolhem posicionar-se os adeptos da escolha fácil. Da escolha que dispensa escolher. Da escolha que, impondo-se por si própria, se escolhe a si mesma. Da não escolha, portanto. Julga que a verdadeira escolha é uma só e é sempre clara e fácil como entre Hitler e Churchill. De Churchill, portanto, não aprendeu a decisiva lição da escolha difícil entre Hitler e Estaline, apenas o glamour do charuto icónico, do aforismo prodigioso e dos dedos em v. É com o Churchill póstumo, e não com o vivo, que ela se identifica. É no Churchill vitorioso, e não no combatente (sem o qual não haveria o vitorioso), que ela se reconhece. É no Churchill aristocrata, e não no democrata, que ela se inspira. E é por isso que os seus princípios, enquanto sistema de mapeamento e orientação no atribulado mundo político, lhe servem apenas para situações em que os desafios a enfrentar e a superar são breves, modestos e, como tal, não comprometem o seu compromisso de não ter de escolher. Dir-se-ia que os princípios da direita moderada são óptimos instrumentos de navegação para mares calmos, onde eles são desnecessários, e péssimos para mares revoltos, onde eles são indispensáveis. A direita moderada é um farol inútil: só se avista quando o barco está em terra e a sua luz brilha e gira apenas de dia. A direita moderada é ideal para passeios de barco a remos em soalheiros lagos de Domingo. Não é com tais navegadores que se vencem Bojadores e Adamastores. No final de contas, a direita moderada não é direita moderada. Dizer direita moderada é dizer direita moderada – pela esquerda. Na verdade, é direita condicionada. Como se viu em Espanha e como se vê em Portugal (e em Portugal sobre Espanha), o que a esquerda tenta realmente condicionar não é a “extrema-direita”, é a direita moderada. A “extrema-direita” é apenas o espantalho, a miragem, o engodo de que a esquerda se serve para condicionar a direita moderada. A própria direita moderada – ou a moderação enquanto virtude de direita – é uma venenosa invenção de esquerda: a moderação é a armadilha de coelho nos laços e paus e guizos da qual a direita se enrodilha e se encarquilha – ou seja, se condiciona – a si mesma. Em termos do jogo de soma-zero que é a política, trata-se de um ardil genialmente engenhoso: que mais pode um Ulisses “dos mil estratagemas” pedir aos deuses homéricos do que todo um campo ideológico adversário dedicado a tricotar alegremente a sua própria armadilha como se da mortalha de Laertes se tratasse, reclamando para si mesmo o espaço acanhado do oikos (o “lar”), de onde não sai, entrançada no seu infinito tece e destece, a paciente – portanto, moderada – Penélope, deixando assim a Ulisses, e seus mil estratagemas, o espaço aberto da peleja, da façanha, da palavra – ou seja, da pólis? Chegará talvez o dia em que, entretida e enredada no seu tricot inútil, a direita moderada perceberá finalmente que, na realidade, não há nenhuma cerca sanitária em volta da “extrema-direita”: a “extrema-direita” é a cerca sanitária. E que, dentro dela, quem se encontra devidamente vigiada, cercada e isolada, e sem o ter percebido ainda, é ela mesma, a direita moderada, fechada à chave pelo lado de dentro. Fanática de uma moderação que a mantém refém da esquerda (a velha da comunidade a quem compete a devida e pública fiscalização do sangue vaginal no lençol da virgindade democrática), a direita moderada chama princípios à sua própria rendição e temperança à sua própria captura, confundindo, na verdade, moderação com sequestro e dignidade com inutilidade. Fanática da moderação, meio para um fim que confunde com um fim em si mesmo, merece ser lembrada, de cada vez que se envaidece da sua humildade, da deliciosa observação de Golda Meir, que costumava recomendar aos vaidosos mascarados de humildes que a rodeavam: “Don’t be so humble – you’re not that great”.

CITANDO Sérgio Raimundo

Haverá celas suficientes… Quem vai prender a todos aqueles senhores que ofendem todos os dias os nossos olhos sonhadores de um país melhor? Quem vai prender a todos que nos ofendem em Cabo Delgado: exumam os rubis mais valiosos do mundo enquanto pás enormes de fome escavam estômagos vazios de muitas famílias ao lado? Digam aos senhores do SERNIC para não se esquecerem de prender todos aqueles senhores que ofenderam os moçambicanos ao transformar a LAM em uma companhia de um avião, a todos aqueles senhores que despenharam os aviões da LAM nas montanhas do roubo e corrupção. E quem vai prender os generais que apodrecem de salários nos gabinetes em Maputo enquanto rapazes ofendidos pela pobreza sucumbem como cães em Cabo Delgado? Alguém sabe da ofensa que os seus familiares recebem depois?: um quilo de arroz, três litros de óleo, duas barras de sabão e um caixão com restos de uniforme militar. Depois do Doppaz, prendam os que nos ofendem com promessas que nunca cumprem, prendam os cães da polícia que nos ofendem e comem-nos os passos nas marchas! Quem prenderá a polícia que nos ofendeu, espancou-nos na marcha e depois desparafusou o olho do outro rapaz? Quem? Haverá celas suficientes para todos que nos ofendem todos os dias? Quem prenderá os que nos ofendem com vagões de estradas cheias de sacos de buracos, os que nos distribuem vagas de desemprego, os raptores que ofendem e colocam outros moçambicanos em jaulas como macacos de rabos sem pêlos no zoológico? Será que o SERNIC não pode prender a quem ofende os médicos, todos os dias, com ameaças e eles, coitadinhos, sugando em silêncio o soro da esperança como autênticos doentes? Será que o SERNIC não tem algemas suficientes para prender o salário que ofende a vida desgraçada dos professores, os subsídios que se empurram e ofendem-se com os salários gordos dos nossos chefes? Depois do Doppaz, prendam também quem nos ofende todos os dias com a falta de emprego, prendam a polícia municipal que sobrevoa os passeios cheios de carros para algemar pneus de carrinhas de mão na Baixa e arrumem, também, nas celas as árvores que nos ofendem e viram salas de aulas das nossas crianças. Claro que não se pode ofender o senhor presidente, mas também ninguém tem o direito de ofender a quem empurrou através de votos o senhor presidente ao trono: o povo.

Citando Jonathan Llewellyn

"Os portugueses parecem ter vergonha de se orgulharem do que conseguiram." REVELAÇÕES FEITAS POR UM HISTORIADOR ESTRANGEIRO SOBRE A GUERRA DO ULTRAMAR: 1961 - 1974 Jonathan Llewellyn "Espero que perdoem a um estrangeiro intrometer-se neste assunto, mas é preciso que alguém diga certas verdades. A insurgência nos territórios ultramarinos portugueses não tinha nada a ver com movimentos nacionalistas. Primeiro, porque não havia (como ainda não há) uma nação angolana, uma nação moçambicana ou uma nação guineense, mas sim diversos povos dentro do mesmo território. E depois, porque os movimentos de guerrilha foram criados e financiados por outros países. ANGOLA – A UPA, e depois a FNLA, de Holden Roberto foram criadas pelos americanos e financiadas (directamente) pela bem conhecida Fundação Ford e (indirectamente) pela CIA. O MPLA era um movimento de inspiração soviética, sem implantação tribal, e financiado pela URSS. Agostinho Neto, que começou a ser trabalhado pelos americanos. só depois se virando para a URSS, tinha tais problemas de alcoolismo que já não era de confiança e acabou por morrer num pós-operatório. Foi substituído pelo José Eduardo dos Santos, treinado, financiado e educado pelos soviéticos. A UNITA começou por ser financiada pela China, mas, como estava mais interessada em lutar contra o MPLA e a FNLA, acabou por ser tolerada e financiada pela África do Sul. Jonas Savimbi era um pragmático que chegou até a um acordo com os portugueses. MOÇAMBIQUE - A Frelimo foi criada por conta da CIA. O controleiro do Eduardo Mondlane era a própria mulher, Janet, uma americana branca que casou com ele por determinação superior. Mondlane foi assassinado por não dar garantias de fiabilidade, e substituído pelo Samora Machel, que concordou em seguir uma linha marxista semelhante à da vizinha Tanzânia. Quando Portugal abandonou Moçambique, a Frelimo estava em ta estado que só conseguiu aguentar-se com conselheiros do bloco de leste e tropas tanzanianas. GUINÉ – O PAIGC formou-se à volta do Amílcar Cabral, um engenheiro agrónomo vagamente comunista que teve logo o apoio do bloco soviético. Era um movimento tão artificial que dependia de quadros maioritariamente cabo-verdianos para se aguentar (e em Cabo Verde não houve guerrilha). Expandiu-se sobretudo devido ao apoio da vizinha Guiné-Konakry e do seu ditador Sékou Touré, cujo sonho era eventualmente absorver a Guiné portuguesa. Em resumo, territórios portugueses foram atacados por forças de guerrilha treinadas, financiadas e armadas por países estrangeiros. Segundo o Direito Internacional, Portugal estava a conduzir uma guerra legítima. E ter combatido em três frentes simultâneas durante 13 anos, estando próximo da vitória em Angola e Moçambique e com a situação controlada na Guiné, é um feito que, militarmente falando, é único na História contemporânea. Então porque é que os portugueses parecem ter vergonha de se orgulharem do que conseguiram?" Publicado a 01 de Junho 2013 por Jonathan Llewellyn

domingo, 29 de outubro de 2023

DISCURSO JOÃO LOURENÇO

Discurso de Sua Excelência João Lourenço, Presidente da República de Angola, na 78ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas | "Reconstruir a Confiança e Relançar a Solidariedade Mundial: Acelerar a Acção no Âmbito da Agenda 2030 e dos seus Objectivos de Desenvolvimento Sustentável Rumo à Paz, à Prosperidade, ao Progresso e à Sustentabilidade para todos" Nova Iorque, 20 de Setembro de 2023 -Sua Excelência Dennis Francis, Presidente da 78ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas; -Sua Excelência António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas; -Distintos Chefes de Estado e de Governo; -Chefes de Delegação; -Minhas Senhoras, Meus Senhores, É com grande honra que tomo a palavra nesta Magna Assembleia das Nações Unidas, num contexto em que o Mundo enfrenta uma situação de elevada complexidade que requer desta nossa organização o reforço do seu papel e das suas capacidades para formular as mais adequadas respostas e assim poder responder aos graves desafios que o mundo enfrenta. Desejo a Sua Excelência Dennis Francis os melhores êxitos durante o mandato que passa a exercer desde agora na qualidade de Presidente da 78ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Gostaria igualmente de expressar ao Sr. António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, os nossos agradecimentos pelo incansável trabalho que tem vindo a realizar em prol da paz e do desenvolvimento, em circunstâncias bastante desafiadoras. Excelências, Não tendo estado presente na sessão da Assembleia-Geral de 2022, não tive a oportunidade de expressar, em nome de Angola e dos angolanos, as nossas preocupações e visão sobre os problemas que o Mundo enfrentava e que se agravaram com o eclodir do conflito entre a Rússia e a Ucrânia naquele mesmo ano. Apesar de se terem feito grandes esforços no caminho da criação de um Mundo mais pacífico e próspero, reconhecemos que, passados quase 78 anos desde a fundação da nossa organização, não foi possível construirmos uma base sólida de confiança entre as Nações de modo a evitar-se o surgimento de focos de tensão aqui e ali, que degeneram em conflitos abertos em África, na Ásia, na América Latina, no Médio-Oriente e agora na Europa, onde seria pouco expectável que ressurgisse uma guerra de tão grandes proporções, como a que ocorre neste momento. A gestão dos interesses a nível global em matéria de segurança, da ciência e tecnologia, bem como dos recursos em termos gerais, de que destaco as matérias-primas estratégicas e as fontes geradoras de energia, não satisfaz ainda os interesses e espectativas das diferentes Nações e povos do nosso planeta. É fundamental que façamos tudo o que está ao nosso alcance para promover continuamente o respeito e observância dos valores estabelecidos na Carta das Nações Unidas e no Direito Internacional, para que possamos corrigir a perigosa trajectória que o Mundo tomou após a queda do Muro de Berlim. Na abordagem dos problemas contemporâneos das relações internacionais, destacamos a importância de se avaliar com objectividade a natureza e a origem dos conflitos e as perspectivas da sua solução, sempre no respeito às normas universais que regem as relações entre os Estados. Excelências, Não se pode deixar de reconhecer que o fosso entre os países em vias de desenvolvimento e os desenvolvidos continua a ser uma realidade inaceitável por não haver, em muitos casos, uma verdadeira vontade política para a ultrapassar, tendo como consequência as dificuldades de acesso aos recursos financeiros e materiais necessários à concretização de projectos de desenvolvimento, assim como os condicionalismos impostos à transferência de tecnologia, constituindo-se em factores que retardam a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos na Agenda 2030 das Nações Unidas. Gostaria de saudar o apelo do Secretário-Geral à reforma da arquitectura financeira mundial e ao estímulo dos ODS de pelo menos 500 mil milhões de dólares por ano para fazer face aos desafios emergentes. Por não se verem adequadamente representados numa grande parte das instituições de governação mundial, os países em desenvolvimento não estão em condições de exprimir as suas sensibilidades e fazer valer os seus pontos de vista ao nível apropriado e contribuir assim para a formulação de soluções realistas dos seus problemas. Esta situação gera ansiedade e frustração das populações mais vulneráveis que, ao não verem satisfeitas as suas expectativas, tornam-se facilmente permeáveis às influências negativas e perigosas para a ordem e a estabilidade dos seus respectivos países. Excelências, Nas últimas décadas, África testemunhou transformações que galvanizaram mudanças com impacto nas gerações vindouras. Muitos países africanos resolveram conflitos, investiram o que lhes foi possível no desenvolvimento socioeconómico e promoveram a educação dos seus cidadãos, tornando-os mais informados e dispostos a contribuir para o desenvolvimento económico e social dos respectivos países. As transições democráticas tornaram-se regulares e as instituições essenciais para a consolidação da democracia mais interventivas e, por isso mesmo, mais capazes de dar sustentação e solidez às conquistas democráticas alcançadas nas nossas nações. Trata-se de um registo que deve ser enaltecido e estamos convencidos que tudo deve ser feito para que não ocorra um retorno aos modelos que vigoravam antes do advento da democracia em África. Contudo, a falta de perspectivas que se observam em muitos dos nossos países no plano económico e social, cria um terreno fértil para a subversão e para a fragilização das democracias recentes no nosso continente. Torna-se, por isso, urgente e imperativo que seja concedido apoio real ao desenvolvimento por via do financiamento em condições favoráveis para a construção de infra-estruturas de produção e distribuição de energia eléctrica e de água potável, de vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, de saneamento básico, de construção de escolas, de hospitais, e outras e também no investimento privado directo nas economias africanas, para que África possa passar a ter uma contribuição maior na economia mundial. Em África, temos procurado buscar os caminhos que nos levem a sair do estado em que nos encontramos actualmente, como a iniciativa da criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, com mais de mil milhões de consumidores e que constitui, por isso, uma plataforma impulsionadora de progresso do continente. Os parceiros internacionais de África devem acreditar e apostar no nosso mercado porque terão seguramente um retorno satisfatório dos seus investimentos nos diferentes sectores das nossas economias em que decidirem investir. Pretendemos atender às expectativas dos jovens africanos que se veem forçados a tentar realizar os seus sonhos fora do seu continente em contextos de adaptação quase sempre difícil, para além do elevado risco de vida que muitos deles enfrentam ao fazerem perigosas travessias do Mediterrâneo. Angola tem-se assumido como promotora do diálogo que, em nossa opinião, não se deve limitar aos espaços políticos e diplomáticos, mas abranger também um vasto leque de protagonistas, designadamente organizações da sociedade civil, empresas e indivíduos, cabendo um lugar de destaque à juventude, verdadeira força motora das transformações que almejamos para garantir o progresso das nossas nações. Foi imbuída deste espírito que Angola decidiu albergar o Fórum Pan-africano para a Cultura de Paz em África organizado em parceria com a União Africana e a UNESCO, cuja 3ª edição realizar-se-á em Novembro deste ano em Luanda. O Fórum, também conhecido como «Bienal de Luanda», constitui uma plataforma privilegiada de intercâmbio entre diferentes culturas, religiões e modelos sociais, através de sessões interactivas e construtivas para identificar, promover e difundir modelos viáveis e inclusivos de resolução pacífica de conflitos a nível do continente africano, podendo servir como uma referência potencialmente inspiradora para outras regiões do mundo. Excelências, A República de Angola tem procurado contribuir com a sua experiência em termos de construção da paz, da harmonia e da reconciliação nacional, para a resolução de conflitos que assolam o continente africano, com especial enfâse para o que ocorre na RDC, onde acreditamos que se poderá construir uma base de confiança entre os beligerantes, que contribua para um abrandamento da tensão na região dos Grandes Lagos e conduza à tão almejada paz. Essas diligências para conter a expansão do terrorismo e outras acções de desestabilização, implicam custos financeiros que nem sempre os nossos países estão capazes de suportar e que, por isso, podem comprometer o sucesso das operações de pacificação que se levam a cabo e deitar por terra as esperanças que se alimentam à volta desses processos. É por isso essencial reafirmarmos a necessidade de um financiamento adequado, sustentável e previsível para os esforços na luta contra o terrorismo no continente, pelo que considero oportuno renovarmos o apelo às Nações Unidas, particularmente ao Conselho de Segurança, para a utilização de contribuições fixas para operações de apoio à paz mandatadas pela União Africana. Até há relativamente pouco tempo, a região do SAHEL era assolada apenas pela acção de grupos terroristas reforçados por mercenários a soldo, que tendo encontrado um vazio de poder na Líbia, ali se instalaram e se expandiram para os países vizinhos. A acrescer a esta situação de si já perigosa, eis que mais ou menos na mesma região surgiu uma onda de mudanças inconstitucionais do poder protagonizadas por militares. Esses novos poderes não devem ser premiados com a possibilidade de partilharem connosco os mesmos palcos políticos, sob pena de estarmos a passar uma mensagem errada, contrária aos princípios que defendemos. Cada vez ficamos mais convencidos da existência de uma mão invisível interessada na desestabilização do nosso continente, apenas preocupados com a expansão de sua esfera de influência, que sabemos não trazer as garantias necessárias para o desenvolvimento económico e social dos países africanos. A Comunidade Internacional está preocupada não só com a situação nos países do SAHEL, no Corno de África, em Moçambique e na República Democrática do Congo, como também com o conflito do Sudão, que para além do elevado número de mortos, de feridos, de destruição das infra-estruturas do país, provocou um incontável número de deslocados internos e de refugiados, tendo se tornado já numa das maiores catástrofes humanitárias que o mundo conhece e de cujas consequências se ressentem os países vizinhos. O Mundo não se pode esquecer do sofrimento do povo palestino e, muito menos, ignorar a necessidade da resolução do conflito no Médio Oriente, com destaque para o israelo-palestino, cuja fórmula de dois Estados a conviver lado a lado de forma pacífica, já foi encontrada pelas Nações Unidas há anos sem que tivesse alguma evolução, carecendo apenas de ser implementada. A comunidade internacional corre o risco de ser acusada de estar a dar tratamento diferente, privilegiado ao conflito na Europa em detrimento de outros, por estarem no Médio Oriente ou em África onde o do Sudão é tão mortífero e destruidor quanto o da Ucrânia, mas que merece menos cobertura dos media internacionais e menor atenção dos grandes centros de decisão sobre a paz e segurança mundial. Na Europa a guerra entre a Rússia e a Ucrânia deve merecer toda nossa atenção e premência de se lhe pôr fim imediato, pelos níveis de destruição humana e material que aí se regista, pelo risco de uma escalada para um conflito de grandes proporções à escala global e pela incidência dos seus efeitos nocivos sobre a segurança energética e alimentar. Todas as evidências indicam-nos ser improvável que haja no campo de batalha vencedores e vencidos, pelo que se deve encorajar as partes envolvidas a privilegiar tão cedo quanto possível a via do diálogo e da diplomacia, estabelecer-se o cessar-fogo e negociar-se a paz duradoura não só para os países beligerantes, mas que garanta a segurança da Europa e contribua para a paz e segurança mundial. Excelências, Nos últimos três anos enfrentámos um grande desafio global que nos foi colocado pela pandemia da COVID-19, que veio demonstrar a importância e a força da solidariedade fentre as Nações, como base para se fazer face e resolver os grandes problemas globais. Este exemplo deve servir como paradigma do nosso comportamento para enfrentarmos outros desafios, sobretudo os que se referem ao combate à pobreza, às disparidades entre países em desenvolvimento e os desenvolvidos no domínio da ciência e da tecnologia, que representam como todos sabemos, factores importantes e indispensáveis para se impulsionar o desenvolvimento e o bem-estar dos povos do nosso planeta. A coordenação e a articulação entre todas as Nações do Mundo, que foi a nota dominante no processo do combate à COVID-19, pôs em evidência o papel central das instituições de cariz multilateral. Por isso mesmo, consideramos que o pluralismo nas relações internacionais é o principal garante da eficácia das acções que empreendemos para resolver as grandes questões que afectam a Humanidade nos tempos que correm. É evidente que na perspectiva do multilateralismo, as Nações Unidas têm de se capacitar para assumir um papel efectivo no cumprimento das suas atribuições, impondo-se com urgência a necessidade da reforma do Conselho de Segurança, por forma a que este órgão reflicta a realidade dos tempos actuais, total e profundamente diferente da vivida imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial. A República de Angola, defende, por isso, a necessidade da revisão da representatividade das diferentes regiões do mundo no Conselho de Segurança. Neste domínio, no que diz respeito ao continente africano, defendemos o consenso de Ezulwini e a Declaração de Sirte, que estabelecem a necessidade de atribuição à África de assentos como membros permanentes no Conselho de Segurança, com todos os privilégios inerentes à categoria. Excelências, As Nações Unidas vêm lidando ao longo de décadas com uma série de situações a respeito das quais tem sido adoptado um conjunto de resoluções que são simplesmente ignoradas e desrespeitadas, sem que isto produza alguma consequência para os seus protagonistas. Penso ser necessário reflectirmos juntos sobre a necessidade de procurarmos criar mecanismos que reforcem a autoridade da ONU, para que não a desacreditemos e nem fragilizemos o seu papel decisivo na construção de uma arquitetura de paz e segurança mundial eficaz, à qual todas as nações do mundo se devem sentir vinculadas com um forte sentido de comprometimento, independentemente do seu poderio económico e militar. É, por isso, oportuno salientar a importância do cumprimento das resoluções vigentes a respeito do embargo contra Cuba e do conflito que perdura no Médio-Oriente há décadas entre Israel e a Palestina. Importa recordar que no ano de 2021, participei nesta cidade numa reunião do Conselho de Segurança com o propósito de discutir a questão do levantamento do embargo de fornecimento de armas à República Centro-africana, não tendo se registado desde então algum progresso sobre esta matéria, o que afecta seriamente o exercício de um direito fundamental dos países de terem o seu próprio Exército Nacional para garantir a defesa da Independência, da Soberania e do normal funcionamento das instituições do país. Reitero uma vez mais a pertinência de se colocar a abordagem deste tema na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que se tome uma decisão que permita à República Centro-africana cumprir cabalmente o seu papel como Estado independente e soberano, não tendo a necessidade de recorrer a contratação de forças paramilitares estrangeiras por tempo indeterminado. Excelências. A República de Angola preside à Cimeira dos Chefes de Estado e de qGoverno da OEACP, o que nos confere a responsabilidade de abordar alguns aspectos relativos a esta organização. Concluiu-se com êxito a negociação do acordo de parceria entre a Organização dos Estados de África, das Caraíbas e Pacífico com a União Europeia, cuja cerimónia de assinatura deverá acontecer brevemente, marcando assim uma nova fase desta cooperação adaptada à realidade actual e às aspirações dos Estados-Membros de ambas organizações. Este importante instrumento sobre o qual assentará a cooperação entre a OEACP e a União Europeia define as bases sobre as quais se vão projectar as acções nos mais variados domínios, com um especial destaque para a sustentabilidade ambiental e as alterações climáticas, o desenvolvimento humano e social e a migração e mobilidade. Como Vossas Excelências sabem, a OEACP integra 79 países de três continentes e três oceanos, representando um enorme potencial de cooperação para aqueles que estabelecerem parcerias em domínios prioritários para os Estados-Membros, gerando assim benefícios recíprocos. Aproveito esta ocasião para lançar um apelo aos investidores, no sentido de olharem para os países da OEACP como um destino seguro e com vantagens importantes para os seus negócios. Excelências, Permitam-me ainda aproveitar a oportunidade que esta tribuna nos confere para, em breves palavras, referir-me à questão das alterações climáticas que representa, nos tempos actuais, uma preocupação central da Humanidade, dos Governos e das sociedades de todos os nossos países. A Comunidade Internacional deve procurar cumprir, dentro do possível, as promessas que foram feitas nas últimas duas edições da COP sobre o financiamento para o clima, de modo a que na Cimeira da COP 28, a ter lugar nos Emirados Árabes Unidos, este tema deixe de absorver uma parte significativa da agenda para que nos possamos debruçar de forma concreta na necessidade da implementação urgente das medidas a tomar com vista à redução dos gases poluentes, reduzir a deflorestação, reduzir o aquecimento global e assim salvarmos o nosso planeta Terra enquanto ainda é tempo. Permitam-me aproveitar esta ocasião para, em nome do Governo e do povo angolano, exprimir os nossos profundos sentimentos de pesar às autoridades e aos povos de Marrocos e da Líbia, pela perda repentina de milhares de vidas humanas e de valioso património nacional, como consequência de catástrofes naturais. A nossa total solidariedade para com os familiares e próximos, que sentem a dor da irreparável perda de entes queridos. Muito obrigado a todos!

CITANDO MIGUEL BOIEIRO

Tipuana No dia 24 de setembro de 2023, a Sociedade Portuguesa de Naturalogia (SPN) organizou mais um dos seus passeios pedestres, o que tem sucedido regularmente há muitas décadas. Desta vez, aconteceu em Alcochete e integrou um percurso que começou no “outlet” Freeport e prosseguiu depois pelo adjacente Pinhal das Areias, Sapal das Hortas (frente à Reserva Natural do Estuário do Tejo) e parte do litoral poente na direção da vila de Alcochete. A ideia central foi a de despertar a atenção dos caminhantes para as curiosidades da natureza, a relevância histórica, paisagística e ambiental dos sítios e o usufruto que se pode colher duma flora típica predominante. Com tempo estival, a iniciativa concitou o entusiasmo de 63 participantes, desejosos de ampliar os seus conhecimentos. Não cabe no âmbito destas habituais croniquetas botânicas, pormenorizar todos os aspetos deste passeio lúdico-cultural, pelo que iremos apenas referir algumas particularidades da flora, antes de nos determos na tipuana, a qual encabeça este escrito. Como sabemos, para além do clima e das intervenções humanas, as característicos do solo determinam a existência das diversas espécies. Assim, iniciámos no Pinhal das Areias (espaço de 13 hectares, por demais arenoso e seco), a observação de xerófitas, plantas rasteiras que suportam a exiguidade aquática, os sargaços, os troviscos, as aroeiras, os adernos, os lentiscos, os pinheiros-bravos, os pinheiros-mansos, os sobreiros e alguns cedros. Como espécies exógenas provenientes de outras latitudes, vimos algumas acácias, chorões e fitolacas. Ao passarmos para a zona do sapal, ficou muito evidente a existência duma toalha freática de água-doce a competir com a água salinizada. Esta penetra nos solos pela Ribeira das Enguias e esteiros que a encaminham para as marinhas de sal, cuja atividade produtiva já se extinguiu. Torna-se deveras interessante observar o choque eivado de eletricidade e magnetismo e a correspondente troca de iões entre essas águas. Daí resulta uma vegetação, por vezes exuberante, que brota através de camadas diversas, consoante é maior ou menor a sua adaptação à salinidade. Sem nos alargarmos neste pormenor, mais suscetível de ser analisado por biólogos e cientistas de cátedra, realcemos um pouco, o que a vista desarmada logra alcançar. Primeiro, os almeirões-silvestres de florinhas azuis, as acelgas-marítimas, as espargueiras e os densos juncais, indiciadores da água doce. Depois, a proliferação gradual de halófitas: artemísia-marítima, salgadeira (Atriplex halimus), gramata-branca, salsola vermiculata, Sarcocornia perennis, Inula crithmoides, Suaeda maritima, setembrista (Aster tripolium), Limonium vulgare, salicórnia, morraça etc, etc. Diz-se que a zona que antecede o sapal, agora um atraente parque de merendas, foi outrora povoada por pinheiros mansos que posteriormente teriam sido cortados para que os seus troncos arqueados fossem utilizados na construção dos cavernames das fragatas. Hoje, são outras árvores, mormente as de crescimento rápido, que alindam o local, em especial, choupos, casuarinas e tipuanas. Aqui chegados, vamos então avançar para a descrição das especificidades da espécie exótica, a quem conferi a honra de ser a protagonista da presente croniqueta. A tipuana, cujo nome científico é Tipuana tipu, pertencente à família das Fabaceae, é uma árvore florífera de copa densa e ampla, que pode atingir algumas dezenas de metros de altura. É nativa na América do Sul, especialmente na Bolívia, Argentina e Brasil (Paraná). Possui folhas caducas compostas por folíolos sésseis, oblongos e paralelos. As abundantes inflorescências formam cachos de flores zigomórficas, hermafroditas com pétalas de amarelo dourado enrugadas. O fruto é constituído por uma vagem leguminosa indeiscente formando uma sâmara, isto é, possui uma espécie de asa que, através do vento, facilita a disseminação das sementes. O tronco é robusto com casca cinzenta e fissurada, mas de madeira frágil. As raízes são invasivas, não se recomendando as plantações em urbanizações com espaços exíguos. A tipuana é perene, de crescimento rápido e resiste à seca, à aragem salina e a algum frio. Mas, para que serve a tipuana? É agora a pergunta que se impõe! Antes de mais, é uma bela árvore ornamental com lindas flores que na época própria se desprendem e alcatifam o chão com milhares de pétalas douradas. Elas combinam maravilhosamente com as pétalas azuis do jacarandá, outra linda árvore oriunda da América do Sul. É o que soi dizer-se “ouro sobre azul”. Depois, proporciona sombras repousantes apreciadas nos dias soalheiros, devido à densidade da sua copa. Todavia, não há ainda certezas suficientes sobre os seus préstimos fitoterapêuticos, embora seja, há muito, usada como medicina popular nos países de origem. Alguns raros estudos fitoquímicos indiciam que a folhagem, rica em flavonoides, detém ação inflamatória, analgésica, laxante e antitumoral, podendo prevenir infeções. A seiva, de cor avermelhada, é cicatrizante, mas, em algumas situações, pode provocar alergias (é melhor não experimentar!). Por fim, refere-se que as flores são algo melíferas, favorecendo o desenvolvimento da apicultura. Outubro de 2023 Miguel Boieiro

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O 1⁰ Maior Evento Desportivo Realizado em Angola

II⁰ Jogos da África Central: Primeiro grande evento desportivo foi há 42 anos “De 20 a 30 de Agosto, em Luanda, Huambo e Lubango, II Jogos da África Central”. O spot com estes dizeres, era difundido na Rádio Nacional de Angola e na Televisão Popular de Angola, desde o princípio do mês de Junho de 1981. Apesar de ter sido numa época em que a concorrência dos medias era impensável, rapidamente o país ficou mobilizado para o grande acontecimento desportivo, que estava a ser preparado com esmero. Nunca antes tinha havido um evento desportivo de semelhante grandeza. Angola estava há apenas cinco anos independente, e como se não bastasse, a resistir à invasão externa, e a realização dos II Jogos da África Central, foi um verdadeiro trunfo das autoridades angolanas, que acabariam por convencer os Estados da região, e não só, de que apesar da agressão de que o país estava a ser alvo, vivia-se, na mesma, um clima de alguma estabilidade. Alguns bons amigos infundiam no estrangeiro, a mensagem de que Angola era um país em que o cheiro à pólvora, pairava “ par tout”, não sendo por isso um bom lugar para se investir, viver ou visitar. Os Jogos não tiveram qualquer alteração de programa. Salvo a retirada, quase à última hora, da cidade do Lubango. Assim, como estava previsto, no dia 20 de Agosto de 1981, o estádio da Cidadela, na época com apenas um anel, vestiu-se de cor, festa e alegria para a cerimónia de abertura. O festival, de quadros humanos, emprestava outro colorido às bancadas, como expressão de capricho na organização. Estudantes de diferentes instituições de ensino do II e III níveis tinham levado semanas a ensaiar os diferentes esquemas exibidos, sob batuta do professor cubano, Adelquis Ramon, também conhecido na altura, e cá entre nós, por mestre Máximo. Aliás, a organização tinha feito o seu melhor para que tudo saísse à contento. Numa da Torres do complexo desportivo da Cidadela estava instalada a Aldeia Olímpica, no pavilhão principal estava montado um mini-centro de imprensa, assim como outros serviços de apoio às delegações participantes. Não houve ausências, e oito modalidades estiveram em evidência. Futebol, basquetebol, andebol, atletismo, boxe, judo, ciclismo e voleibol deram o ar da sua graça. Na época, não se evidenciava o espírito competitivo. Colocava-se, em primeira instância, a necessidade de intercâmbio. Ou seja, o espírito de fortalecimento e estreitamento de relações entre países e povos da mesma linha ideológica. Mas os que puderam bater recordes nas diferentes disciplinas, fizeram-no. No essencial o evento valeu mais pela convivência entre a juventude dos países da zona central de África. Na verdade, o sucesso organizativo dos II⁰ Jogos da África Central, mérito a atribuir à então Secretaria de Estado de Educação Física e Desportos, com Rui Mingas à testa, dizíamos, terá mobilizado o país a acolher outros eventos desportivos de grande dimensão nos anos que se seguiram, embora um ano antes já tivesse recebido o Africano de juniores em basquetebol, em que Angola de José Carlos Guimarães, Victor Almeida, Artur Barros e demais venceu, numa épica e memorável final a RCA de Anicet Lavodrama, Frederic Goporo e outros artistas. A palavra aos testemunhos oculares O Jornal de Angola ouviu algumas figuras do desporto que acompanharam o evento e deixaram o seu testemunho. José Luís Prata, à época piloto da nossa companhia aérea de bandeira, os Jogos constituíram uma capacidade organizacional das autoridades angolanas da época. “Os II⁰ Jogos da África Central foram organizados num dos momentos menos bons do período pós-independência, em plena invasão militar sul africana, com a ocupação de várias parcelas do território nacional. E dentro deste grande conflito armado o desafio era conseguirmos realizar em Luanda e Huambo, com participação de meia-dúzia de países, um conjunto de modalidades diversificadas como futebol, basquetebol, andebol, ciclismo, boxe, atletismo, voleibol e judo, com participações masculinas e femininas. Foi uma demonstração de capacidade organizacional de Angola, alojar e arranjar a logística. Lembro que a TAAG deu uma grande contribuição, fazendo uma ponte aérea com bens perecíveis e sumos, apoio médico, transporte de 1400 pessoas. Enfim, foi uma organização complicada num país em guerra”. Os ll⁰ Jogos da África Central em Angola constituíram uma afirmação do país do ponto de vista desportivo e político. Quem o diz é António Gomes “Tony Estraga”. “Em minha opinião os ll⁰ Jogos da África Central foram efectivamente uma vitória pelo facto do momento que vivíamos do ponto de vista politico e militar. E constituiram uma afirmação do país não só do ponto de vista desportivo mas também com um significado politico . Outro aspecto positivo foi a demonstração da capacidade organizativa. As infra-estruturas também constituíram uma vitória, pois foram os vários equipamentos desportivos que foram recuperados. Podemos ainda acrescentar a formação e capacitação de muitos técnicos desportivos nacionais. Resumindo, julgo que houve na altura uma visão de afirmação aos níveis politico e desportivo. Aliás, vivíamos uma era de “Estado Providência”, com grandes preocupações no bem social, e o desporto e a cultura eram aspectos importantes na politica de governação”. Dedaldino da Conceição, jornalista da TPA, tem sobre os Jogos a seguinte opinião: “Os II Jogos da África Central realizaram-se em Luanda e Huambo, cinco anos depois de Angola ter alcançado a sua independência. Com algum cepticismo por parte dos países da região participantes, houve uma demonstração de ideologia, vontade e determinação patentes num povo unido que fez das fraquezas força em várias esféras. Na altura as mais visíveis para mim, pois ainda era um imberbe de 14 anos, o desportivo e o estudantil, desejo governamental de se impor na região através do desporto face a qualidade dos nossos atletas, tendo em conta os resultados nos contactos internacionais com o bloco socialista. Lembro-me do complexo da Cidadela albergar o maior número de provas, desde o atletismo, futebol, andebol, voleibol, basquetebol além das cerimónias de abertura e encerramento, nas quais tive participação directa nos quadros humanos, como estudante da escola Che Guevara, dirigidos pelo professor Máximo. No final a colheita em termos de medalhas não foi por aí além. Porém, ficou evidente a boa organização e a força mental dos angolanos que mesmo não estando a cem por cento para disputar os lugares cimeiros, deram o aviso a África e ao mundo que havia trabalho interno para preparar um futuro de vitórias”. Inexperiência determina mau desempenho de Angola Matias Adriano