PENSAMENTOS ABERTOS E LIVRES - 89 (ANÁLISES RESULTADOS ELEITORIAIS 2025)
As eleições, sejam legislativas ou autárquicas, são sempre o palco onde se mede o verdadeiro apetite pelo poder. É para isso que servem os partidos — conquistar poder para transformar a sociedade dentro do espaço que a lei lhes confere. O problema é quando esse jogo é adulterado por forças políticas mascaradas de “movimentos de cidadãos”, sobretudo nas autárquicas.
Digo-o sem rodeios: sou frontalmente contra movimentos independentes nas legislativas e cada vez mais cético quanto à sua utilidade nas autárquicas. Outra coisa — bem diferente — é quando os partidos integram cidadãos independentes nas suas listas, o que só enriquece a representatividade.
Mas essa moda dos “movimentos de cidadãos” é uma falácia pegada. Como se os partidos fossem feitos de quê? De fantasmas? Todos são compostos por cidadãos — uns mais conscientes, outros mais oportunistas, mas cidadãos, afinal.
Passemos então à radiografia política do momento.
O PSD, liderado por alguém que jamais pensei ver como Primeiro-Ministro, consolidou a preferência dos portugueses. Ganhou o benefício da dúvida. Mas o poder que hoje detém é frágil, sustentado por um equilíbrio instável e por um calendário que lhe garante tempo sem escrutínio eleitoral. É um sossego temporário — nada mais.
O Chega é o “partido do momento”, mas a história ensina-nos que partidos de um só rosto têm prazo de validade curto. É uma estrutura dependente do humor e da vontade do líder. Quando ele espirrar, o partido apanha uma pneumonia.
O CDS é um caso clínico. Recebeu oxigénio por ter deixado de caminhar sozinho, mas vive de respiração assistida. Resiste por conveniência — uma muleta política que o mantém de pé, embora já sem rumo. A anexação é só uma questão de tempo, porque é insustentável ter mais membros no Governo do que no Parlamento. A certidão de óbito está passada; falta apenas o enterro formal, com as suas figuras a migrarem discretamente para outras casas.
Quanto à esquerda, pouco há a lamentar. Quanto pior está, melhor dorme o país. O desaparecimento da futura “Cônsul Honorária do Hamas em Lisboa” é quase motivo de celebração. Ainda assim, a democracia precisa de oposição, e seria desastroso ver o PS desmoronar como aconteceu em França ou noutras latitudes. A pluralidade é um pilar essencial.
O PCP é uma peça de museu com dignidade: institucionalista, coerente e pragmático o suficiente para negociar a sua sobrevivência. Viverá, como sempre, do equilíbrio entre o discurso ideológico e o apoio sindical.
No centro-direita, os liberais continuam a crescer, discretos mas consistentes. Têm princípios, mantêm coerência e resistem à tentação do populismo. Estão encurralados entre o gigante PSD e o individualismo messiânico de outras forças, mas, com a “hecatombe judicial” que se aproxima, podem muito bem sair reforçados — e talvez finalmente dar o salto.
O que vemos hoje é o resultado de anos de degradação ética e ideológica. Muitos partidos já não representam causas, mas sim carreiras. Tornaram-se agências de emprego e negócios, sem norte, sem alma, sem vergonha. A prova está no patrocínio descarado a “movimentos independentes” que brotam como cogumelos — falsamente apolíticos, mas alimentados pelas mesmas redes partidárias de sempre.
É urgente reformar o sistema. Quem ganha uma Câmara deve governar com maioria própria, mas sujeita ao equilíbrio da Assembleia Municipal. E é imperativo retirar os Presidentes de Junta desse órgão — a sua presença distorce o voto popular e transforma o poder local num jogo viciado.
E, finalmente, uma previsão: depois das presidenciais, começarão as deserções. Veremos eleitos a saltar fora do barco do “homem omnipresente”, o líder que tudo quer controlar, em todo o lado. Porque o poder absoluto cansa — e apodrece por dentro.
Zeferino Boal
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