domingo, 3 de outubro de 2021

CITANDO JACQUES DOS SANTOS

FICA DIFÍCIL NÃO SENTIR INVEJA As eleições autárquicas de domingo último em Portugal surpreenderam algumas pessoas que tendo ligações fortes ou mais frágeis ao país, ainda não se habituaram a essa prática democrática. Foram notadas as ausências que colocaram o abstencionismo num grau elevado e que, embora esperado, deixou uma marca negativa na consulta eleitoral. Para quem não lida regularmente com tais ambientes, surpreenderam depois os que se apresentaram em manifestações de cidadania intrigantes e, mais tarde, a decepção e o abatimento dos partidários que cantavam vitória em determinados círculos, antes do escrutínio. A surpresa não apanhou apenas os desavezados. O pessoal verdadeiramente neutro, aquele que se encontrava aqui de passagem e os que apreciavam o andamento das coisas, em jeito de “ver a banda passar”, também foram surpreendidos. Não propriamente pelos resultados, pois estes não lhes diziam respeito, mas pela maneira como lhes foi dado ver o decorrer de todo o processo da eleição. Angolanos como eu, ausentes do país por imponderáveis razões, num inadmissível mas necessário período de tempo alargado; cidadãos que andam atados às incongruências da distância e que por virtude de notícias que lhes chegam todos os dias das mais diversas fontes da Banda, de fidelidade duvidosa como facilmente se deduz, legitimamente e a partir do que observaram e interpretaram desse acto democrático, fizeram, cada um do modo que melhor quis e soube, avaliações da política indígena (já de si um emaranhado de problemas onde se torna difícil escolher o mais intrincado) comparando o que viam com as próximas eleições legislativas em Angola (escuso-me a mencionar as autárquicas do nosso descontentamento). Em consequência surgem as dúvidas e suspeições do costume, questionando-se como serão as próximas eleições em Angola. Vamo-nos habituando aos jogos onde se dão cartas viciadas, baralham-se e voltam a dar-se e, por todas as razões consabidas e subjacentes à política, essa maka meio esdrúxula que enfrentamos nos nossos lados, transforma-se o momento que vivemos num enorme bicho-de-sete-cabeças. Com óbvias razões para algumas situações, sem nenhumas noutras. E fazem-se comparações entre o que se passa na Tuga e o que ocorre na Banda, sem que se tenham em conta, factores como a extensão territorial de ambos os países, a sua população e o seu estádio de desenvolvimento. São factos constatados e indesmentíveis. Eleições na Europa não podem, de modo nenhum, ser comparadas às que se realizam em qualquer país africano. Pelos motivos referidos e ainda por todas as outras representações sociais do maldito processo colonial, determina-se que sejamos provavelmente dos povos do continente mais vitimados por essa matéria aberrante. Na verdade, e mesmo que tenhamos que nos repetir uma infinidade de vezes acerca dos motivos essenciais (colonialismo, guerrilha, guerra, iliteracia e precariedade governativa), factores que influenciam necessariamente as diferenças comportamentais que vigoram e nos amofinam, fica difícil aceitar que se faça aqui em Portugal, com a maior das facilidades, aquilo que em Angola não conseguimos, a despeito do nosso empenho e potencial económico (celeridade e transparência na contagem dos votos, apresentação de resultados, eficácia no controle, entre outros aspectos importantes). O resultado de maior impacto registou-se em Lisboa, onde o partido que governou a capital do país durante 14 anos (curiosamente o mesmo período de tempo que durou a nossa luta de libertação nacional) perdeu as eleições, e a derrota foi de imediato assumida pelo presidente do município. O candidato derrotado reconheceu em postura democrática perante a comunicação social que a derrota era pessoal e intransmissível e, como atenuante, deu uma explicação simples: não tinha conseguido fazer a diferença. O vencedor, que não foi absoluto, naturalmente exultante, constatou e não escondeu ao eleitorado os benefícios de uma aliança bem alicerçada em forças da mesma tendência política. O actual homem forte de Lisboa disse imediatamente à eleição, que o seu objectivo primordial era o de incluir, nunca excluindo. Por outro lado, registaram-se meios desastres nas hostes dos tradicionais, ultrapassados na estrutura e estratégia que utilizam, tendo alguns observadores considerado o resultado obtido como a caminhada para o seu suicídio. Mas também houve quem dissesse que faziam falta à política portuguesa. Os xenófobos e racistas gritaram e esbracejaram, mas foram colocados no seu devido lugar, ou seja, ali onde devem permanecer as pessoas e as organizações abjectas. Um conceituado analista disse na oportunidade que houve uma inversão de valores na política portuguesa, onde começam a despontar os actores afro-descendentes. Comentou-se isso tudo com muito ânimo mas também com muita naturalidade e seriedade. Sem violência, o que tornou o pleito mais interessante e valoroso. Ganharam uns, perderam outros. Não morreu ninguém e a vida continua porque daqui a quatro anos haverá mais. E enquanto este filme das eleições em Portugal, com todos os seus defeitos e coisas menos boas, passa pelo ecrã do meu pensamento, admito sem qualquer rebuço, sem o mínimo de constrangimento, segredando para o meu eu: invejo os portugueses, neste particular aspecto! Posto isto, e esperando que seja bem entendido, cumprimento os meus leitores e amigos. Até domingo à hora do matabicho. Lisboa, 2 de Outubro de 2021

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