OPINIÃO
Postal de Lisboa 02 Maio 2013
Escrevo-vos de Edimburgo, cidade declarada pela UNESCO património da Humanidade, onde encontrei o Luís Soares, um cabo-verdiano de Santiago, a dar aulas de português a meninos escoceses filhos de portugueses: “hoje é dia da letra “F” da foca e da Fifi, do fato fino e também de ‘Family’” dizia o Luís, num bilingue inglês/português claro e impecável, a um grupo de dez crianças, correspondendo ao esforço, heróico e comovente, que as famílias fazem todos os sábados, para que os seus filhos, a estudar em escolas escocesas, não percam a língua de Camões. Na mesma sala, a sua mulher, Ilse, natural da Guiné-Bissau, filha de um professor cabo-verdiano, explicava a outras de idades mais avançadas, incluindo a sua filha Alicia, a composição de um poema português.
De Otília Leitão
Luís
Soares, 44 anos, é um homem das Ciências da Comunicação, que já foi jornalista.
Veio para a capital desta região autónoma do Reino Unido há dois anos e meio,
convidado pela Universidade de Edimburgo, onde está a fazer doutoramento sobre
os efeitos do uso do telemóvel na comunidade de pastores Massai do Quénia, no
Instituto para o Estudo da Ciência e Tecnologia no departamento das Ciências
Sociais e Políticas deste centro de investigação, uma das mais importantes
universidades do Reino Unido. Aqui convive com investigadores dos mais diversos
países de África.
A
descoberta de Luís Soares prende-se com o hábito que cultivo de, sempre que me
desloco a um local estrangeiro, saber se existe alguém da comunidade
cabo-verdiana, tanto mais que sendo banal em Londres, seria menos comum numa
cidade onde, mesmo se o sol tenta brilhar, as temperaturas teimam em ser abaixo
de zero grande parte do ano e no máximo no Verão 20 graus positivos. A minha
tentativa começou pela pesquisa, através da Internet, se havia um cônsul
honorário por lá.
Verifiquei
que James Rust aparecia como cônsul de “Portugal e Cabo Verde”. Enviei-lhe uma
mensagem na dúvida de que me responderia, mas James Rust disse primeiro que
desconhecia a existência de qualquer cidadão cabo-verdiano, na região, mas que
iria saber, e fê-lo: Na verdade são pouquíssimos, confirmado por Luís Soares,
que diz ter encontrado um músico Tony e um outro, funcionário de supermercado.
Também
os portugueses não são muitos nesta região fria (estimam-se em cinco centenas)
mas Luís, cujo dom da comunicação não o deixa ficar parado, anda a fazer um
inventário dos portugueses e cabo-verdianos que porventura estejam na capital
escocesa. Até já descobriu uns portugueses a trabalhar numa fábrica de
bolachas, bem no norte da Escócia, nas Highlands, onde o frio é tanto que a
média de esperança de vida das pessoas é inferior à média britânica.
Aliás,
o pequeno grupo de portugueses jovens e em geral casados com parceiros locais,
que se empenha na aprendizagem e divulgação da língua comum, mantém um blogue
designado “Portugueses na Escócia – Tugomania”, além de outro existente “Tugas
na Escócia”, para ampliar a rede de contactos de portugueses residentes e dos
que querem aqui viver. Vários formados, referem o vazio e o abandono que sentem
das autoridades portuguesas. O seu elo de contacto é a professora, leitora do
Instituto Camões, Helena McDonald, portuguesa e residente há muitos anos na
Escócia, a quem chamam “uma verdadeira embaixadora”. A burocracia constitui um
dos maiores obstáculos ao registo dos seus filhos como portugueses, havendo
casos surrealistas de “burocracite” documental.
Luís,
natural da Cidade da Praia, veio para Portugal aos três anos. Fez a sua
licenciatura e mestrado na Universidade Católica, onde foi aluno brilhante. Em
Edimburgo, trabalha em part-time numa empresa internacional de computadores e
mantém um programa musical de rádio às terças-feiras, sobre música dos países
da lusofonia (www.castlefmscotland.com
(19/21H) “Em breve vou mudar o nome do meu programa RAIZES para ECOS, para ser
mais abrangente”, refere o Luís, que projecta criar em Edimburgo um Centro
Cultural português.
Com
ele e a sua família – Alicia depois da aula seguiu para o Ballet – tomei um
café num dos locais, perto do centro da cidade, zona onde o Luís, também atleta
é popular. Das suas motivações, o Luís acentua: “aqui as pessoas são
valorizadas, os cidadãos contam” enfatizou, num tom crítico para situação
portuguesa, contando-me que tem todo o seu tempo ocupado.
“Toda
a gente é ensinado a partilhar, a fazer voluntariado, a ter uma causa a que se
dedicar, facto que antes me intrigara ao folhear uma revista escocesa e ter
verificado que era referenciado nas pessoas que participavam em eventos
públicos, as pulseiras ou adereços de adorno, que significavam tendências na
defesa de causas, quer seja o combate ao cancro, a favor das crianças mais
desprotegidas, de pesquisas de saúde ou culturais”.
Uma
das curiosidades é o facto dos bancos nos jardins ou simplesmente nas paragens
de autocarros terem inscrito o nome de um escritor, de um poeta, de uma
personalidade politica ou científica. As pessoas podem, por exemplo, solicitar
à governação local a inscrição num banco, de um nome seu familiar falecido.
A
convivência com a morte é igualmente notória. Os cemitérios que estão dentro da
cidade, pessoas a que se junta a transformação de igrejas em “pubs”, cafés ou
residências de luxo. O famoso cão “terrier escocês” lá tem a sua campa, um
ícone desta região autónoma que já foi independente e continua a lutar por o
ser. O “Bobby” terrier, quando morreu o seu dono, acompanhou o seu corpo e
sentou-se na campa, deixando-se ali morrer. (v. foto).
“Foi
na Universidade de Edimburgo que aprendi a ver África doutro modo, de forma
mais científica, sem clichés. As pessoas são apreciadas pelo que valem e fazem,
no seu conteúdo e não pelos aspectos físicos”, acrescentou Luís, corroborado
por Ilse, a sua mulher que estudou Gestão em Portugal, agora numa pausa em
benefício familiar. Ilse frisou que em Edimburgo, “se uma criança chama a outra
de “monhé” ou “preta’ ou põe em evidência um aspecto ou deficiência física de
outra é penalizada, existindo mesmo uma multa”. Ilse faz igualmente
voluntariado e nota que na Escócia, há muito cuidado com as crianças: “Se há um
atraso, ou uma falta, a escola liga logo a saber o motivo”.
Não
obstante, os jornais locais dão conta de criminalidade sofisticada e sobretudo
de abusos sexuais em crianças, através do uso das redes sociais, alguns deles
reportados pela polícia e que dão conta de professores a fomentarem os seus
alunos a colocarem no Facebook as suas brincadeiras sexuais.
A
imigração nesta cidade de arquitectura gótico-georgiana sobre uma zona
vulcânica é sobretudo da Índia e Paquistão que em geral trabalha sector da
restauração e comércio de produtos. O nível de vida é superior a Portugal, com
salários mais elevados. Quase não há desemprego havendo também um culto de
empregabilidade de todas as idades em part-time.
Luís
considera a sociedade escocesa extremamente educada, onde “gift” (dádiva) é o
sinal de partilha desde criança e todos aprendem ser úteis porque o Estado tem
pelos seus cidadãos estima e valor.
Por
isso, Luís Soares, já está a preparar-se para a célebre maratona de Edimburgo,
a correr 42 quilómetros, dia 26 de Maio numa capital medieval de mais de 300
qualidades de Whisky escocês, de escritores (Walter Scott, famoso romancista,
tem direito a uma estátua) dos festivais de música e dos clãs culturais e
guerreiros que se esmeram na escolha dos “tartan” ou tecidos em xadrez de
várias cores com que confeccionam os famosos Kilt (ou Quils, saias de pregas)
de origem da cultura Celta, traje obrigatório em cerimónias oficiais e
casamentos tradicionais (v.foto inc.).
As
Highlands (ilhas e lagos do norte da Escócia) de onde vem grande parte da
riqueza em animais, carne, indústria de tecidos de lã, continuam a alimentar a
fantasia de alguém avistar o monstro do famoso lago Loch Ness.
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